Indígenas Pury debatem autorreconhecimento e danos pós-rompimento em audiência com juiz do Caso Rio Doce
Uma comitiva de indígenas da etnia Pury, à Pury Môemlitóma unã Dotapá-muúm Nhãmatuza Orum Butã “Uchô Betlháro Purí e à Pukíu”, povo localizado nos municípios de Aimorés, Itueta e Resplendor, no Leste de Minas, esteve em audiência com o juiz do Caso Rio Doce, Vinícius Cobucci, na última segunda-feira (18), na 4ª Vara Federal Cível e Agrária da SSJ de Belo Horizonte. Em pauta, a discussão sobre o reconhecimento do povo Pury como indígenas atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. Além disso, foi abordado o ofício de negativa da Fundação Renova sobre legitimidade e custeio da comissão formada apenas por indígenas desta etnia.

Na audiência, três comunidades indígenas estiveram representadas, a Comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí de Aimorés e Resplendor, Comunidade Indígena Purí Ã Pukíu de Resplendor, Itueta e Aimorés e, a Associação de Remanescentes Indígenas Purí de Aimorés.
Há anos, o povo Pury reúne, entre vivências, estudos e dados, registros diversos para mostrar às autoridades brasileiras sua existência histórica e exigir o devido reconhecimento. Fizeram disto um ato de resistência à medida que muitos direitos foram sendo negados, especialmente após o rompimento da barragem de Fundão. Uma luta incansável pelo direito de ser quem são.
A audiência desta segunda, solicitada pelo povo Pury e organizada pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, por meio da defensora Carolina Morishita, debateu sobre a visibilidade Pury não apenas com o juiz do caso, mas também com representantes do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPE).
Na ocasião, os indígenas Puri fizeram a entrega às autoridades da versão impressa do Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio do Povo Pury, da comunidade Uchô Betlháro Purí; um instrumento político, jurídico e técnico para a luta, defesa e garantia dos direitos dos Povos Indígena e Comunidades Tradicionais.
Segundo Dauáma Meire Purí, representante da etnia Pury, à Pury Môemlitóma unã Dotapá-muúm Nhãmatuza Orum Butã “Uchô Betlháro Purí e à Pukíu”, da cidade de Aimorés, a audiência foi significativa, pois demarca um espaço essencial de escuta. “A audiência em que participamos em Belo Horizonte com o juiz Cobucci foi exatamente para dizer quem nós somos, de onde somos, onde estamos, qual a cultura e tradição, e que nós estávamos lá para garantir o direito nosso na reparação como indígenas Purí. Foi muito importante e ouvir o juiz Vinícius Cobucci, defensora Carolina Morishita, o procurador Felipe defendendo os nossos direitos reconhecidos e atendidos como indígenas, foi muito bom”, destacou.

Em suas intervenções junto às autoridades, os Pury passaram a relatar os danos que sofreram e sofrem pelas consequências de alteração de modos de vida deixadas pós rompimento. Os principais deles foram: insegurança alimentar, dificuldade de acesso à água para consumo humano, dificuldades de acesso a água bruta que impede que eles continuem com criações e plantações, destacando que suas plantações não são apenas de alimentos, mas de ervas medicinais (prática cultural muito forte em sua cultura).
Além disso, eles relataram as dificuldades de comercializar alguns desses produtos, pontuaram questões relacionadas à saúde, especialmente ao adoecimento mental de pessoas da comunidade e a necessidade de uma assessoria técnica independente própria para o Povo Pury, assim como existe para o povo Krenak e outras comunidades indígenas.
Todas as reivindicações foram materializadas no documento que defende o reconhecimento deste povo, elaborado com o apoio da Assessoria Técnica Independente, Aedas. No texto, eles detalham que seu objetivo é:
Registrar e corroborar o autorreconhecimento do povo indígena Pury da região do médio rio doce – Uchô Betlháro Purí e à Pukiu; reafirmar a solicitação de reconhecimento (coletivos e consequentemente individuais) dos mesmos como atingidos pelos rejeitos de minério do rompimento de Fundão; a solicitação para composição da CT-IPCT/CIF e de inclusão do Povo Pury no Programa de Proteção e Recuperação da Qualidade de Vida dos Povos Indígenas (PG03) e, assim, garantir o acesso ao auxílio financeiro emergencial AFE/ASE, o que lhes daria segurança financeira mínima para amortizar os danos que foram se acumulando durante os últimos oito anos e dar continuidade a sua luta por projetos reparatórios coletivos, reduzindo a vulnerabilidade social e política dos grupos e lideranças.
Para o historiador e coordenador de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) da Aedas no Leste de Minas, Francisco Phellipe, a reunião foi positiva e mostra o compromisso da Defensoria Pública em atender as demandas de povos e comunidades tradicionais.
“Esta é uma agenda extremamente positiva ao povo Pury do Médio Rio Doce. De alguma maneira, fica o compromisso da DPE com as comunidades tradicionais e indígenas, que até o momento não acessaram o sistema reparatório enquanto povo tradicional indígena que são, assim como prevê os próprios instrumentos da reparação, como TTAC, TAC-GOV. Nossa avaliação é que enfim os povos indígenas e tradicionais começam a estar presentes nas decisões mais urgentes destas instituições, algo que pode garantir a este povo, acesso aos seus direitos como atingidos”, explica.
Ainda de acordo com o coordenador, apesar de não ser uma audiência deliberativa, os representantes do DPE e MPE afirmaram que “os pedidos que tratam dos temas em relação aos Pury chegariam a ele [ao juiz do caso, via processual], tanto inserido debates comuns à Bacia, como da água ‘bruta’ e a água de consumo humano, mas também chegariam documentos referentes a esses pleitos específicos dos Pury, que é basicamente documentos sobre sua identidade indígena, a garantia do seu acesso ao sistema CIF[Comitê Interfederativo], a garantia de acesso aos sistemas de reparação e a um projeto de assessoria técnica independente”.
Negativa da Renova
No último dia 26 de janeiro de 2024, a Fundação Renova, entidade responsável por implementar e gerir os programas de reparação das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, respondeu ofício enviado pela Faculdade Latino-americana de Ciências (Flacso), responsável por gerir o orçamento dos atingidos, negando a liberação do orçamento dos atingidos para viagem de audiência dos Pury à Pury Môemlitóma unã Dotapá-muúm Nhãmatuza Orum Butã “Uchô Betlháro Purí e à Pukíu” em Belo Horizonte.
Para justificar a negativa, a Renova apresentou pontos baseados em critérios que atualmente são reducionistas de avaliar, de acordo com a coordenadora de Mobilização do Leste de Minas, Geovanna Januário. “Essa negativa da Renova é vista de maneira racista e limitadora, pois suspeita e coloca dúvida sobre a tradicionalidade do povo Pury do Leste de Minas. A negativa que eles deram, é uma dupla negativa, quando eles negam o povo Pury enquanto povo Pury e quando eles negam também a liberação do orçamento dos atingidos, que estão dentro da Comissão”, salienta Geovanna.
Veja abaixo a resposta da Renova negando a criação e legitimidade desta comissão:
E no âmbito do TTAC que estão definidas as comunidades porventura atingidas pelo rompimento, sendo que o referido documento não prevê o atendimento a outras comunidades indígenas, senão àquelas listadas em sua Cláusula 39 (povos indígenas do território Krenak, em Resplendor/MG, e das terras indígenas de Comboios, Tupiniquim e Caieiras Velhas II, em Aracruz/ES).
(…)
Os indígenas Puri mencionados (…) tiveram seu ressurgimento reconhecido pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) apenas em 2018 (ou seja, muito após o rompimento) e não possuem território demarcado, tratando-se de indígenas não aldeados, razão pela qual não houve o reconhecimento de impacto à referida comunidade quando da celebração do TTAC ou a prestação de atendimento em caráter coletivo por parte da Fundação Renova.
O próximo passo, na luta dos Pury por reconhecimento, ainda segundo a coordenadora Geovanna, é posicionar a Aedas ao lado dos indígenas na luta pela consolidação da Comissão dos Pury no Leste de Minas, à Pury Môemlitóma unã Dotapá-muúm Nhãmatuza Orum Butã “Uchô Betlháro Purí e à Pukíu”, a partir da Assembleia e da presença das Instituições de Justiça nas reuniões, e da validação da Fundação Renova.
Destaca-se que no processo de formalização e constituição da Comissão Local das Comunidades Indígenas Pury, três são identificadas: A Comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí de Aimorés e Resplendor, Comunidade Indígena Purí Ã Pukíu de Resplendor, Itueta e Aimorés e, a Associação de Remanescentes Indígenas Purí de Aimorés.
Texto: Mariana Duarte, equipe de Comunicação da Aedas no Médio Rio Doce