Veja os principais pontos de cada anexo do Acordo e relembre a mobilização das pessoas atingidas por participação efetiva 
Estrutura destruída com o rompimento da barragem da Vale anos depois do rompimento. Foto: Felipe Cunha/Aedas

Em 4 de fevereiro de 2021, foi firmado o Acordo Judicial de Reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, de propriedade da mineradora Vale S.A., ocorrido em janeiro de 2019 em Brumadinho e que atingiu 26 municípios da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias. 

O valor do Acordo destinado à reparação dos danos totalizou R$ 37 bilhões de reais, sendo direcionado para projetos de reparação nos âmbitos socioeconômico e socioambiental. Isso significa que as partes envolvidas estabeleceram um valor (teto) a ser destinado à reparação de todos os danos coletivos do desastre-crime provocado pela mineradora Vale S.A. ao longo da Bacia do Paraopeba, com o objetivo de reparar e compensar esses danos. A título de comparação, esse valor correspondeu ao lucro da mineradora em apenas três meses de operação durante o primeiro trimestre de 2021, mesmo ano em que o Acordo foi firmado.  

Momento da assinatura do Acordo em 2021. Foto Danilo Girundi TV Globo

A definição dos procedimentos para a reparação, assim como as cláusulas do Acordo e seus respectivos valores, ocorreu de forma sigilosa entre a mineradora Vale S.A., o Governo de Minas Gerais e as Instituições de Justiça (MPF, MPMG e DPE). Em outras palavras, esse processo se desenrolou a portas fechadas, sem a participação das comunidades atingidas pelo desastre-crime, as principais interessadas na reparação e que possuem um entendimento preciso sobre os danos e as áreas que necessitam de reparação. Importante ressaltar que as Assessorias Técnicas Independentes da Bacia (Aedas, Nacab e Guaicuy) não foram incluídas nos diálogos que resultaram na formalização do Acordo. 

Espaço participativo da Aedas debate acompanhamento dos anexos pelas pessoas atingidas.

Anexos do Acordo  

O Acordo possui diferentes programas e ações voltados à reparação socioeconômica e socioambiental, que são chamados de Anexos. Cada anexo possui propósitos e atores específicos, que junto chegam ao valor total do Acordo (37 bilhões de reais). 

Três anos depois, convidamos para uma caminhada para relembrar cada anexo e destacar as pautas e cobranças das pessoas atingidas por participação, acesso aos programas e por ações concretas que saiam do papel e reparem, de fato e por direito, as comunidades atingidas. 

Entenda abaixo: 

Anexo I.1 – projetos de demandas das comunidades atingidas  

Atingidos de Brumadinho participam de formação promovida pela Aedas. Fotos: Lucas Jerônimo/Aedas

A única parte do Acordo que prevê em seu texto a participação das pessoas atingidas nas decisões, tem como objetivo a reparação de danos coletivos dos 26 municípios localizados na Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias, mediante a execução de projetos de demandas comunitárias que visam fortalecer a economia e a renda local.  

Os projetos deverão atender às demandas das comunidades atingidas abrangendo dinâmicas específicas de participação, detalhamento, monitoramento e fiscalização. Tais projetos serão executados com a colaboração direta das comunidades atingidas em cada território. Estas comunidades terão o papel de determinar os projetos de seu interesse, contando com o suporte das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs). 

Assim sendo, as pessoas atingidas terão participação informada em todas as etapas do processo, abrangendo desde a concepção e formulação até a execução, acompanhamento e avaliação dos planos, programas e projetos a serem custeados pelos recursos do Anexo I.1.  

O Anexo I.1 é de obrigação de pagar da mineradora Vale S.A., totalizando 3 bilhões de reais destinados ao custeio e operacionalização dos projetos comunitários. Desse montante, 1 bilhão será alocado especificamente para iniciativas de crédito e microcrédito, abrangendo fundos de financiamento, garantias e equalizações voltadas à diversificação econômica, agropecuária e agroindustrial para as pessoas atingidas, e 2 bilhões para os projetos de demandas comunitárias. 

Atingidas debatem com Aedas atividades do Anexo I.1 durante oficina em São Joaquim de Bicas | Foto: Valmir Macêdo

Em outubro de 2022, as Instituições de Justiça divulgaram o edital para a seleção e contratação de uma Entidade Gestora dos recursos do Anexo I.1. Em agosto de 2023, o juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, Murilo Silva de Abreu, decidiu pela homologação dessa Entidade escolhida pelas Instituições de Justiça.  

A parceria vencedora foi composta pelas organizações Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB), Instituto Conexões Sustentáveis (ConexSus) e Instituto E-dinheiro Brasil. A seleção da Entidade Gestora para os primeiros 2 anos, refere-se exclusivamente à gestão correspondente de 10% do total destinado ao Anexo 1.1, equivalendo a R$ 300 milhões. 

Poderá haver liberação de novos recursos e prorrogação do prazo do contrato de gestão se a Entidade Gestora contratada atender aos critérios de eficiência, sustentabilidade financeira e eficácia social da execução, através da avaliação das pessoas atingidas e Instituições de Justiça durante sua gestão.   

Segundo Renata Resende, moradora da comunidade Maria Antonieta, em Mário Campos, o Anexo I.1 desempenhará um papel importante na reparação de danos coletivos. “Que a gente tente criar projetos que aumentem o valor da população local, no sentido de que a nossa agricultura seja mais bem vista, que os projetos sejam voltados para o turismo, porque nossa região é muito rica e muito bonita. Temos que destacar o que a gente tem de melhor na nossa região e assim diminuir essa minero-dependência, onde tudo é voltado para a extração de minério de ferro”. 

Beto Queiroz, residente em Melo Franco, Brumadinho, expressa a esperança de que a participação seja verdadeiramente reconhecida, considerando que o Anexo I.1 é o único componente do Acordo que contempla a participação das pessoas atingidas. “Que possamos juntos introduzir e construir projetos para que possamos ter uma reparação com dignidade. Que todos os órgãos envolvidos tenham essa ciência de que só com uma participação do coletivo se terá isso. Basicamente hoje, o Anexo I.1 é o que nos restou nesse contexto e que faz com que tenhamos fôlego nessa luta de mais de 4 anos”. 

Para mais detalhes sobre o Anexo I.1, acesse: Jornal com quadrinho explicativo e Matéria com comunicados da Cáritas  

Anexo I.2 – Programa de Transferência de Renda (PTR) 

Decorrente de mobilização das pessoas atingidas, que fizeram manifestações contra o fim do auxílio emergencial pago pela mineradora Vale S.A., o Programa de Transferência de Renda (PTR) representou uma conquista para atender às necessidades emergenciais das pessoas atingidas. A gestão do montante do PTR foi designada, após lançamento do edital, à Fundação Getúlio Vargas, que iniciou o pagamento aos beneficiários em novembro de 2021. O montante alocado no Acordo para o PTR foi de 4,4 bilhões de reais, sendo parte integrante do Programa de Reparação Socioeconômica. 

Manifestação acontece em diversos pontos de Brumadinho em 2021. Foto: Reprodução

Atualmente, o PTR beneficia 132.094 pessoas nas cinco regiões da Bacia do Paraopeba, tendo transferido até o momento R$2,18 bilhões aos beneficiários. A previsão é manter os pagamentos mensais aos beneficiários até abril de 2026, segundo informações da FGV.  

Têm direito a receber o PTR todas as pessoas que cumprirem um dos quatro critérios definidos no edital instituído pelas Instituições de Justiça: ser familiar de vítima fatal, residir na área delimitada como atingida à época do rompimento, ser morador da Zona Quente ou pertencer a algum povo ou comunidade tradicional que vive na área atingida. Considera-se residente aquele que, em 25 de janeiro de 2019, residia em Brumadinho, na área de até 1km da margem do Rio Paraopeba e do Lago de Três Marias ou dentro das poligonais aprovadas pelas Instituições de Justiça. De forma adicional, podem ser incluídas no Programa as pessoas residentes em comunidades que receberam obras emergenciais ou sofreram com desabastecimento de água devido ao rompimento. 

Hélio Dutra, representante da Associação Comunitária de Moradores da Colônia Santa Isabel, enfatizou que “o PTR é resultado das mobilizações dos atingidos. A principal demanda é que a FGV considere também os bloqueados de outras localidades. É crucial ampliar o número de beneficiários para quem tem direito ao recebimento”. 

O trabalho da Aedas no acompanhamento do Anexo I.2, acolhe e encaminha demandas coletivas e individuais relacionadas ao recebimento ou cadastro do Programa de Transferência de Renda (PTR). São produzidos documentos técnicos tais como ofícios pareceres, notas técnicas e pleitos coletivos para recebimento do PTR, que são encaminhados para o comitê gestor do Programa.  

São exemplos, o pleito de Santa Ana em Igarapé, aprovado em agosto de 2023, que evidenciou que a poligonal da comunidade estava localizada a 1 km da margem do Rio Paraopeba e o pleito das mulheres atingidas para inclusão das crianças que estavam em gestação à época do rompimento, aprovado em novembro de 2023, que assegurou o direito dessas crianças ao PTR.  

Além disso, após diversos questionamentos, as Instituições de Justiça aprovaram uma nova metodologia para definição das poligonais com base em imagens de satélite, como feito nos pleitos encaminhados pela Aedas. Essa revisão ampliou o número de poligonais e com isso, atualmente, além de Brumadinho, 63 comunidades atingidas da região 2 acessam o Programa. 

Projetos para a Bacia do Paraopeba (Anexos I.3) e Projetos para Brumadinho (Anexo I.4) 

Para o Anexo I.3, que contempla os 25 municípios atingidos da Bacia do Paraopeba (com exceção de Brumadinho) foram definidos 169 projetos, sendo 158 da Consulta Popular e 11 emergenciais (resposta rápida). Destes, 4 foram concluídos e 90 estão em execução: 9 emergenciais e 81 definidos a partir da Consulta Popular. 

No Anexo I.4, específico para Brumadinho, são 43 projetos definidos, sendo 8 emergenciais e 35 da Consulta Popular. De acordo com o Comitê Pró-Brumadinho, 20 projetos estão em execução (5 emergenciais e 15 da Consulta Popular) e dois projetos emergenciais foram concluídos. 

Apesar dos R$ 1,5 bilhão previstos para Brumadinho e dos R$ 2,5 bilhões para os municípios da Bacia do Paraopeba, as pessoas atingidas têm cobrado obras nos territórios atingidos e reclamam da falta de informações das prefeituras sobre os recursos do acordo que foram repassados aos municípios. A obrigação de pagar é da Vale e, para alguns projetos, a obrigação de fazer é das prefeituras municipais que passam a ser as responsáveis por executar as obras. 

Foto: Felipe Cunha/Aedas

“O dinheiro vai pra prefeitura e nós não sabemos até hoje quais foram os projetos que foram aprovados pelas prefeituras e os nossos nenhum passou, enquanto atingidos. A gente não teve resposta de nenhum projeto nosso”, reclamou Michelle Rocha, atingida da Região 2, durante audiência em Brasília que discutiu o Acordo de Brumadinho.  

Em 2021, as comunidades chegaram a elaborar projetos com o apoio das Assessorias Técnicas Independentes. Ao todo, foram elaborados pelas pessoas atingidas 337 projetos na Região 1 e 212 projetos na Região 2, com o apoio da Aedas, que foram enviados aos compromitentes do acordo judicial. Houve uma consulta pública virtual, ainda em 2021, em que foram votados os temas prioritários, no entanto, esses projetos não foram realizados dentro dos Anexos I.3 e I.4. 

Consulta Popular na Colônia Santa Isabel – Betim. Foto: Rurian Valentino / Aedas

Em 2022, os quilombos de Brumadinho e as Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) da Região 2 conquistaram, após uma série de reivindicações, o direito a uma consulta presencial nos territórios. A primeira etapa ocorreu de forma virtual e envolveu todos os municípios, o que desrespeitava o Protocolo de Consulta Prévia às comunidades tradicionais. Atualmente, alguns dos projetos priorizados pelos PCTs já estão em fase de detalhamento.  

“A nova consulta aos PCTRAMA (Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana) representa o resultado de nossa organização e luta contra o racismo ambiental, no processo de reparação dos territórios que compõem a bacia do Paraopeba”, afirmou o Baba Edvaldo de Oxaguiã, do Ilê axé Ala Tooliribi, de Francelinos, Juatuba. 

PCTRAMA durante ato por respeito ao Protocolo de Consulta. Foto: Rurian Valentino

O andamento dos Anexos I.3 e I.4 é acompanhado por auditoria externa independente da Fundação Getulio Vargas (FGV).  Trata-se de uma equipe diferente da que acompanha o PTR.  

Reparação Socioambiental (Anexo II) 

Foto de afluente do Rio Paraopeba em Brumadinho. Foto: Valmir Macêdo/Aedas

O programa de Reparação Socioambiental e de compensação dos danos conhecidos e não recuperáveis foi dividido em três partes. 

Uma delas é o Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba (Anexo II.1), que está sendo elaborado desde 2019 por uma empresa contratada pela Vale S.A, a Arcadis. 

A população atingida tem reclamado e cobrado mais participação popular no acompanhamento e nos espaços de decisão sobre o Anexo II, com o entendimento de que os dados socioambientais estão ligados aos projetos comunitários, à renda e demais demandas do cotidiano. 

“O que me deixa preocupado é o vínculo dessas empresas com a Vale, porque pode acontecer manipulação de informações. Será que nós estaremos sendo realmente representados por elas que estarão levantando toda essa questão de reparação e dos riscos?”, questionou Washington Moreira, da Associação de Moradores de São José do Paraopeba, durante espaço participativo. 

Encontro dos Coletivos de Reparação Socioambiental das Regiões 1 e 2 aborda falta de participação e transparência do Plano Arcadis. Foto: Diego Cota/Aedas

A Aedas acompanhava as lideranças atingidas sobre essas pautas nos coletivos de Saúde e Meio Ambiente. Com o corte no escopo das ATIs, a Aedas passou a não ter mais uma equipe específica para acompanhar as demandas Socioambientais.  

As outras duas partes do Anexo II são: o Plano de Compensação socioambiental dos danos já conhecidos na Bacia do Paraopeba (Anexo II.2) e os Projetos de Segurança Hídrica (Anexo II.3) com o objetivo de aumentar a resiliência das bacias do Paraopeba e Rio das Velhas. 

Programa de Mobilidade (Anexo III) 

Foto: Willian Dias | Arquivo: Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)

O Acordo de Reparação também prevê recursos voltados para mobilidade, pagos pela empresa poluidora, cuja execução dos projetos e das ações é de responsabilidade do Poder Executivo Estadual, por meio de seus órgãos e entidades. São R$ 4,95 bilhões para esse anexo. 

Alguns dos projetos de mobilidade previstos no Acordo são a construção do Rodoanel, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); a construção da ponte sobre o Rio São Francisco, no Norte de Minas; e a implementação de melhorias no metrô da RMBH. 

A população atingida critica a destinação desses recursos para obras como o Rodoanel. Para elas, esse tipo de obra não repara os danos causados pelo rompimento e ainda tende a causar novos danos ao meio ambiente e a retirada de populações de seus locais de moradia. 

Desde a assinatura do Acordo, audiências públicas e manifestações são realizadas contra a construção do Rodoanel. Os atingidos chegaram a se reunir com o Ministério Público para denunciar os impactos do rodoanel de BH em comunidades tradicionais

Programa de Fortalecimento do Serviço Público (Anexo IV) 

Diversas regiões de Minas Gerais, para além da Bacia do Paraopeba, vão receber projetos previstos no Anexo IV. Dentre os projetos deste anexo estão a conclusão das obras nos hospitais regionais e instalação de cisternas em área de seca. A execução dos projetos e das ações é de responsabilidade do Governo Estadual, por meio de seus órgãos e entidades. São R$ 3,65 bilhões destinados a esse anexo.  

O Acordo também traz outros termos firmados entre a mineradora, o Estado e as Instituições de Justiça. Acesse mais informações na página do Comitê Pró-Brumadinho

 Quem assinou o Acordo? 

Governo de Minas, representantes da Vale e Instituições de Justiça durante assinatura do Acordo em fevereiro de 2021. Foto: Rurian Valentino

O Acordo Judicial de Reparação, foi firmado entre os chamados compromitentes, sendo as Instituições de Justiça, incluindo a Defensoria Pública de Minas Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais e o Ministério Público Federal, além do Estado de Minas Gerais e da mineradora Vale S.A. A mediação foi do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). 

O Acordo de Reparação é para os danos coletivos 

É importante destacar que o Acordo estabeleceu a forma de reparação apenas para os danos coletivos. Ele não interfere no processo criminal e nem envolve discussões sobre as indenizações individuais e trabalhistas que devem ser pagas aos atingidos, as quais são tratadas separadamente em processos judiciais ou por meio de acordos extrajudiciais específicos.   

IMPORTANTE: Os danos que forem identificados ou causados depois da celebração do Acordo Judicial também terão que ser reparados pela empresa, e os valores que deverão ser destinados a essa reparação não estão incluídos no teto do Acordo.