Validade da PNAB para os casos de Brumadinho e Mariana é tema de debate em BH
Veto de trecho na sanção presidencial trouxe dúvidas para os atingidos; debate reforçou importância da PNAB para os territórios atingidos

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) promoveu, nesta quarta-feira (24), o debate sobre a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas (PNAB) para os desastres-crime de Mariana e Brumadinho. O evento “PNAB: Instrumento de luta de Mariana e Brumadinho”, que contou com atingidos das bacias do Paraopeba e do Rio Doce, aconteceu na Faculdade de Direito da UFMG, em Belo Horizonte.
O momento de diálogo teve como objetivo debater com o Governo Federal e Instituições de Justiça sobre a aplicabilidade da lei. Após sua sanção, em dezembro de 2023, uma dúvida surgiu nos territórios sobre o veto do trecho referente aos acontecimentos retroativos, como os desastres-crimes de Mariana e Brumadinho.
O coordenador nacional do MAB, Joceli Andreoli, explicou que a interpretação do movimento é de validade da lei para os casos já ocorridos e destacou que a PNAB traz dispositivos para garantia de reconhecimento das populações atingidas. “Nossa interpretação é muito clara, porque a lei é muito clara. Vale sim para os atingidos, para garantir direitos, porque ela descreve muito bem quem são, quais são seus direitos, que tipos de programas são adequados à Reparação e garante a participação dos atingidos, porque leva em conta a centralidade do sofrimento da vítima”, disse.

Quem também explicou sobre a aplicabilidade da lei aos casos de Mariana e Brumadinho foi o Procurador Geral da República do Ministério Público Federal, Felipe Augusto. Ele defendeu que o modelo de desenvolvimento econômico precisar atender as necessidades das pessoas em seus territórios e não trazer impactos e desastres. Ele afirmou que a aplicabilidade da Política Nacional nesses desastres-crime é garantida por se tratarem de danos que são recorrentes e continuam a atingir os territórios.
“A lei da PNAB ela concretiza direitos fundamentais, direitos fundamentais com aplicabilidade imediata. E devem ser interpretados de uma maneira que adapta eles à máxima efetividade possível. Segundo ponto, não era necessário que a lei falasse de eventos na ocorridos, e mesmo que falasse isso, não excluiria Brumadinho e Mariana por uma razão muito simples também: esses eventos não são ocorridos, eles estão em ocorrência, como todos vocês sabem. Faz cinco anos que a barragem rompeu, mas o crime, a tragedia, o desastre, ele é atual, infelizmente”, disse o procurador do MPF.
A secretária-executiva da Secretaria-Geral da Presidência da República, Kelli Mafort destacou a luta dos atingidos na aprovação da PNAB e reiterou o compromisso firmado na Carta Compromisso entregue ao MAB, em novembro de 2023.
“Essa vitória foi por meio da luta de vocês. É a luta que fez a lei. Serão assegurados os mecanismos para termos participação social durante a regulamentação da PNAB. Ela foi construída a várias mãos, com intensa participação dos movimentos sociais. Nós queremos que isso também esteja presente na regulamentação e que façamos de maneira mais rápida possível para que ela possa atender, de fato, todos os elementos”, afirmou.
A defensora pública Carolina Morishita, da Defensoria Pública Estadual, avalia que a aprovação da PNAB já é uma conquista importante para a luta por reparação, assinalando que ela deve ser cobrada e disputada. “A lei também é um instrumento de disputa. A PNAB é um instrumento, ela é um meio pra concretizar a luta de muitas coisas que vocês pautam todos os dias”, disse.
A defensora pública também lembrou das reivindicações dos territórios do Rio Doce e do Paraopeba, apontando que a PNAB já é utilizada em ofícios e petições.

“Todos os dias vocês trazem mais uma violência, mais um descumprimento, mais uma pauta de reconstrução, de reparação, que precisa ser feita. Então todos os dias a gente tem motivo pra aplicar a PNAB. Tem sido a nossa conduta desde o dia que a lei foi sancionada, a gente tem se pautado, a gente tem citado a PNAB nos nossos ofícios, a gente tem citado a PNAB nas nossas reuniões”, afirmou.
A juíza Rosaly Stange Azevedo, juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região e representante da Associação de Juízas e Juízes para a Democracia, também reforçou a aplicabilidade da PNAB para o caso Rio Doce, resguardado o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.
“Estou aqui para apoiar e reafirmar que a PNAB – recém aprovada e agora em regulamentação – é plenamente aplicável aos casos das tragédias-crimes de Mariana por uma série de razões. É um crime continuado. Os rios continuam contaminados com minérios e metais pesados. As indenizações não foram plenamente ressarcidas na sua integralidade”, afirma a juíza.
Em dois momentos do debate, atingidas e atingidos do Rio Doce e do Paraopeba fizeram suas colocações acerca da luta nos territórios e expressaram dúvidas sobre a PNAB. Silas Fialho, atingido da comunidade do Parque da Cachoeira, em Brumadinho, explicou.
“Recebemos a lei com bons olhos, era uma lei que a gente estava aguardando muito. Foi uma conquista dos atingidos, movimentos sociais e de todos que abraçaram a causa. Mas, ao mesmo tempo, por causa do veto, nos preocupa muito enquanto atingidos. Como que isso vai ser aplicado dentro dos processos”, questionou em tom de preocupação de que a lei possa ser utilizada pelas mineradoras em manobras jurídicas.
A adolescente Ester Hadassa, representante de jovens da Comissão de Pedra Corrida, localizada em Periquito (MG), também levantou como questão a aplicabilidade da PNAB e convidou os representantes dos Poderes presentes para realizarem uma nova visita técnica aos territórios atingidos da Bacia do Rio Doce.

“Em Pedra Corrida, a água que nós consumimos é captada diretamente do Rio Doce, o trem de minério ainda passa dentro da cidade e nós temos uma plantação enorme de eucalipto. Eu gostaria de perguntar como que nós podemos usar a lei da PNAB a favor da gente para reparar esses danos?”, questiona Hadassa.
A atingida Anaise Silva Pio, da comunidade tradicional Ilê Axé Alá Tooloribi, de Juatuba, integrante do PCTRAMA – Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana – avaliou como positiva a discussão e destacou a luta empenhada pelos atingidos na conquista da lei. “Escutamos várias vozes e conhecemos mais dessa lei, que é tão nova, embora historicamente ela (a luta) vem de muito tempo. A gente sai com o coração alentado, fortalecido, porque vê que a luta não é em vão”, contou.
Participaram pelo Governo Federal representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República e do Ministério de Minas e Energia (MME), por meio do assessor de Participação Social e Diversidade Alexandre Mário de Freitas. Estiveram presentes pelas Instituições de Justiça, Felipe Augusto, do Ministério Público Federal, Shirley Machado, do Ministério Público de Minas Gerais, e Carolina Morishita, da Defensoria Pública Estadual.
No encerramento da atividade, foi realizada a apresentação da ciranda das crianças atingidas. Uma cápsula do tempo elaborada ao longo da manhã foi entregue ao assessor do Ministério de Minas e Energia.

Estudos apontam contaminação no Rio Doce
O deputado Rogerio Correia, autor e relator da PNAB, garantiu em sua fala que a Comissão externa responsável por acompanhar o processo de repactuação da bacia do Rio Doce irá debater em fevereiro o laudo divulgado pela AECOM do Brasil, perita do juízo no processo judicial do rompimento da Barragem de Fundão.
“Esse laudo é bombástico. Tem que ir para a mesa da repactuação. Porque com esse laudo, o que essas empresas estão oferecendo – se já era um absurdo – agora o absurdo é maior ainda! A água e os alimentos tudo intoxicados, envenenado e eles querem pagar uma mixaria para dizer que fizeram um acordo de repactuação. Nós estamos de olho nesse acordo e não pode ser feito de qualquer forma”, afirma o deputado.
Texto: Diego Cota e Thiago Matos