Portaria regulamenta o artigo 216 da Constituição Federal de 1988 e segue as normas da Convenção 169 para definição dos critérios dos grupos que serão beneficiados

Quilombo Rodrigues, em Brumadinho | Felipe Cunha – Aedas

Em novembro de 2023, foi publicada a portaria nº 135 que tem como objetivo regulamentar o tombamento de documentos e locais que possuem a conservação histórica dos quilombos, como consta no artigo 216 da Constituição Federal.  

Um ponto importante nesta portaria é que no seu artigo 2° já afirma que irá seguir as normas da Convenção 169 em que o autorreconhecimento e a autoidentificação dos quilombos deverá ser um critério fundamental para definir os grupos que serão beneficiados por essa portaria.  

A consulta livre, prévia, informada e de boa fé é algo destacado na portaria como um mecanismo em que as comunidades quilombolas poderão expressar seus pontos de vista sobre essa portaria e como ela afeta os seus direitos e como podem definir suas prioridades.  

A portaria cita em seu artigo 3° o que considera ser os documentos e locais que possuem a conservação histórica dos quilombos, são eles:  

 – Locais ocupados por remanescentes das comunidades quilombolas detentores de referências culturais, materiais ou imateriais, nos quais se produzem e reproduzem culturas vigentes.  

– Locais não ocupados por remanescentes das comunidades quilombolas que são detentores de vestígios materiais referentes à sua memória;  

– Documentos detentores de referências à memória de comunidades quilombolas.  

O primeiro parágrafo desse artigo define que são considerados remanescentes das comunidades quilombolas os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, certificados pela Fundação Cultural Palmares, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada à opressão histórica sofrida.  

A solicitação para o tombamento de documentos ou locais de comunidades quilombolas poderá ocorrer por meio de ofício ou pedido formulado por qualquer pessoa física ou jurídica.    

A solicitação do processo será encaminhada à superintendência do IPHAN no estado onde está localizado o documento ou o local da comunidade.  

Para a abertura do processo deve-se preencher um documento em que as seguintes informações são necessárias:  

I – identificação do proponente (nome, endereço, número do CPF ou do CNPJ e e-mail);  

II – denominação do bem a ser tombado como documento ou sítio detentor de reminiscências históricas dos antigos quilombos, nos termos do art. 3º desta Portaria;  

III – endereço completo do bem ou localização por meio de coordenadas geográficas, quando se tratar de um sítio;  

IV – descrição sucinta do bem a ser tombado como documento ou sítio detentor de reminiscências históricas dos antigos quilombos, nos termos do art. 3º desta Portaria;  

V – indicação de informações que permitam o enquadramento dos documentos ou dos sítios como detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, conforme previsto no art. 3º desta Portaria;  

VI – fotografia(s) atual(is) que permita(m) a identificação do bem;  

VII – Certidão de Autodefinição como Remanescentes dos Quilombos emitida pela Fundação Cultural Palmares – FCP, para os casos previstos no inciso I do art. 3º desta Portaria;  

VIII – quando houver, Relatório Técnico de Identificação e Delimitação ou outro documento emitido ou aprovado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra e respectiva Portaria, nos casos de documentos e de sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos enquadrados pelo inciso I, do art. 3º desta Portaria;  

IX – quando houver, documentos de delimitação ou titulação emitidos por instituições estaduais ou municipais;  

X – para os casos previstos no inciso I do art. 3º desta Portaria, declaração formal de representante da comunidade, manifestando que seus documentos ou sítio são detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, bem como manifestando que a comunidade tem ciência da formalização do pedido de declaração de tombamento; e  

XI – para os casos previstos no inciso III do art. 3º desta Portaria: indicação da comunidade quilombola à qual está associada o(s) documento(s); indicação de vínculo com recorte territorial; indicação de proprietário(s) ou detentor(es), caso cabível, e respectiva ciência; listagem sumária dos documentos, caso seja mais que um.  

O IPHAN terá 60 dias, podendo ser prorrogado por mais 60 dias, caso tenha uma justificativa para isso, para conferir a documentação recebida.  

Caso falte algum documento, o IPHAN irá solicitar a quem abriu o processo e esta terá um prazo de 60 dias, podendo ser prorrogado por mais 60 dias, desde que devidamente solicitado.  

Se os documentos solicitados não forem localizados, o processo poderá ser arquivado na própria superintendência do IPHAN, mediante justificativa. O processo poderá ser desarquivado a qualquer tempo se os documentos forem apresentados.  

Caso não falte nenhuma documentação, cabe a superintendência encaminhar o processo ao Depam para o bem a ser tombado seja inserido nas bases de dados do IPHAN.  

A Fundação Cultural Palmares será informada, pelo Depam, sobre a inserção do bem na base de dados do IPHAN e da abertura de tombamento constitucional para conhecimento e colaboração no que puder.  

A superintendência responsável por analisar o processo de tombamento realizará consulta prévia, livre e informada com a comunidade quilombola, como consta nos seus protocolos comunitários sobre o andamento do pedido de tombamento, realizando encontros com a comunidade.

Neste encontro serão discutidos os seguintes pontos:  

I – a apresentação do pedido recebido pelo Iphan e do instrumento de tombamento à comunidade;  

II – a apresentação, pela comunidade, das referências culturais que permitem o enquadramento do documento ou sítio como previsto no inciso I do art. 3º desta Portaria;  

III – a apresentação, pela comunidade, das demandas para a preservação e salvaguarda das suas referências culturais, no âmbito da atuação do Iphan;  

IV – a apresentação, pela comunidade, de delimitação física da área a ser considerada tombada, quando se tratar de sítio, inclusive com eventual retificação, caso se verifique necessária, da indicação georreferenciada a que se refere o §3º, Art. 9º desta Portaria; e  

V – elaboração conjunta de cronograma de trabalho da realização do processo.  

Sobre a delimitação da área a ser tombada, quando se tratar de uma comunidade quilombola, a portaria coloca que será preciso apresentar documentação ou estudos que ajudem na análise do IPHAN.  

Caso quem tenha solicitado o tombamento, seja pessoa física ou jurídica, não tenha condições técnicas ou financeiras para realizar os estudos necessários para comprovar a delimitação física da área deverá informar a superintendência responsável para que a mesma avalie se essa documentação ou estudo é fundamental ou não.  

Se essa documentação ou estudo for obrigatória, a superintendência poderá indicar alternativas para que o requerente tenha apoio de instituições públicas ou privadas para produzir esses estudos.  

Após essas etapas, a superintendência terá até 120 dias para elaboração de uma Nota Técnica, organizando as informações recebidas, descrevendo tudo que foi realizado até ali e consolidando as demandas que consta no processo.  

Concluída a nota técnica, a superintendência enviará o processo para análise do Depam no prazo de 30 dias, que irá avaliar por meio de Nota Técnica os seguintes aspectos:  

I – o enquadramento no art. 3º desta Portaria;  

II – a devida participação da comunidade detentora durante a instrução do processo, por meio de protocolo de consulta prévia, livre e informada para consentimento no que se refere aos atos administrativos, para os casos previstos no inciso I do art. 3º desta Portaria;  

III – as demandas para a preservação e salvaguarda das referências culturais, no âmbito da atuação do Iphan apontados no processo; e  

IV – a compatibilização entre as demandas para a preservação e salvaguarda das referências culturais constantes no processo e as diretrizes apresentadas conforme o Art. 14 desta Portaria.  

Caso o Depam verifique alguma inconsistência no processo, deverá encaminhar para a superintendência que terá um prazo de até 120 dias para revisar o processo.  

Após finalizada a análise técnica do Depam, a superintendência será informada e deverá realizar uma consulta prévia, livre e informada com a comunidade quilombola para apresentar os documentos elaborados durante a construção do processo.  

A próxima etapa é a publicação do edital da Declaração de Tombamento Constitucional no Diário Oficial da União e a realização da notificação da Declaração de Tombamento, pelo gabinete da presidência do IPHAN ao requerente, a comunidade envolvida, quando houver, e as autoridades da região onde o bem estiver, especialmente aos órgãos municipais e estaduais, fixando-se um prazo de 30 dias para eventual manifestação.  

A presidência do IPHAN irá enviar o processo ao Depam, que enviará ao Arquivo Central do IPHAN/Centro de Documentação do Patrimônio, no prazo de 30 dias, com os termos para inscrição do bem no livro do Tombo Constitucional, criado por meio dessa portaria. A inscrição será realizada num prazo de 30 dias.  

O processo de tombamento nos casos de locais ocupados por remanescentes das comunidades quilombolas poderão ser revisadas em acordo com a comunidade envolvida, conforme a Convenção 169 da OIT. A revisão do bem deverá ser pelo pela superintendência responsável e seguirá os passos a passos dessa portaria.  

O processo de tombamento também poderá ser aberto por via administrativa conforme as regras do Decreto-Lei n° 25, de 1937. 

O IPHAN  

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) foi criado em 13 de janeiro de 1937.  Em 1988, a Constituição Brasileira definiu, no artigo 216, o patrimônio cultural como forma de expressão, modos de criar, fazer e viver.  

O que diz o Decreto Lei n° 25 de 30 de novembro de 1937  

O artigo 1° do decreto diz que patrimônio histórico e artístico brasileiro é um conjunto de bens móveis e imóveis que existam no Brasil e que conservar esses bens seja do interesse público, seja por ter fatos memoráveis da nossa história ou por ter um grande valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. O decreto também fala que esses bens que serão tombados pelo IPHAN podem ser monumentos naturais ou paisagens.  

Tombamento voluntário  

O decreto-lei diz que a pessoa dona de algo que ela considere que deva ser tombado deverá solicitar, por escrito, ao IPHAN, que irá analisar se esse bem ou paisagem possuem os requisitos para fazer parte do patrimônio histórico e artístico nacional.  

Os bens que forem tombadas pelo IPHAN poderão ser examinados a qualquer momento pelo instituto, não podendo os proprietários ou responsáveis desses bens criar dificuldades para esse exame.  

Passo a passo para abertura do processo para tombamento de um bem cultural  

A abertura do processo de tombamento de um bem cultural, pode ser solicitada por qualquer pessoa, pelo proprietário, por uma organização não governamental, por meio de abaixo assinado, ou mesmo por iniciativa do próprio órgão responsável pelo tombamento.    

O encaminhamento deve ser feito via ofício ao IPHAN, onde seja descrita a relevância do bem cultural para a comunidade e suas demandas de proteção.  

No ofício devem constar as seguintes informações:  

  •  Identificação completa do solicitante (nome, endereço, CPF ou CNPJ);  
  • Foto atual que permita identificação do bem;  
  • Endereço do bem;  
  • Nome e endereço do proprietário do bem, quando couber.  

Após receber a solicitação, o IPHAN dará início à instrução processual. Uma vez identificados os valores nacionais do bem, e após a devida análise técnica e jurídica, caberá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural decidir sobre o seu tombamento federal.  
 
Como acessar o serviço?  

Por ofício: Dirigido à Superintendência do IPHAN no estado em que o bem se localiza, ou à Presidência do IPHAN, ou ainda ao Ministério da Cultura. 

Tempo para a prestação do serviço: O órgão tem até trinta dias para informar a abertura de processo administrativo e até cinco anos para informar o deferimento ou indeferimento do tombamento.  

Em janeiro desse ano, o IPHAN disponibilizou o atendimento digital em alguns de seus processos, como para a instauração de processos de Registro. Nele, a solicitação pode ser feita por:   

– Cidadão;   

– Grupos sociais detentores de bens culturais;  

– Agentes da sociedade civil organizada;  

– Governo: instituições das três esferas  

Para realizar a abertura de um processo de registro, o interessado preenche o formulário do Atendimento Digital do IPHAN gov.br – Acesse sua conta (acesso.gov.br), coloca anexo os documentos pertinentes e envia a solicitação.   

O atendente da área responsável pelo serviço no órgão analisa o pedido e, se necessário, solicita ao interessado correções no formulário ou inserção de outros documentos.  


Texto: Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais da Aedas / Paraopeba

Fotos: Quilombo Rodrigues (Brumadinho) | Felipe Cunha – Aedas