Pensador quilombola deixa um legado para as comunidades tradicionais do Brasil e para toda a sociedade brasileira 

 

Foto: @dunasfilmes/ Reprodução @rocadequilombo 

É com muito pesar que a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) manifesta solidariedade diante do falecimento da liderança quilombola do Piauí, Antônio Bispo dos Santos. Nascido em 1959, no quilombo Saco Curtume, no Piauí, Nêgo Bispo tem importância nacional por seu pensamento e visão de mundo, que apontam para as contribuições que os ensinamentos presentes na vida e nas relações dos quilombos têm a compartilhar com a sociedade brasileira.  

Uma das visões de mundo propostas por Bispo é o saber contracolonial, aquele que não se baseia nos princípios criados na Europa. Essa cultura e economia colonial foi difundida e encrustada pelos países europeus com a colonização do Brasil e da América Latina, durante séculos. Um dos poemas de Bispo ilustra esse pensamento: 

“Quando nós falamos tagarelando 
E escrevemos mal ortografado 
Quando nós cantamos desafinando 
E dançamos descompassado 
Quando nós pintamos borrando 
E desenhamos enviesado 
Não é por que estamos errando 
É porque não fomos colonizados” 

Margeando, superando e subvertendo o saber formal e escolar, Bispo fez coro às contribuições e ao legado tanto da história oral quanto da escrita – aquela que é passada de geração a geração através das palavras. É desse acúmulo de gerações, da ancestralidade do povo quilombola, que vêm as raízes das palavras de Bispo. 

Seu reconhecimento enquanto mestre também partiu das universidades. Uma delas é a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de onde ele foi professor convidado da Formação Transversal em Saberes Tradicionais. Bispo também foi professor convidado do Encontro de Saberes da Universidade de Brasília (UNB).  

Em sua trajetória, o pensador piauiense também atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (Cecoq/PI), na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). 

Em sua trajetória de diálogos por comunidades em todo o Brasil, Antônio Bispo tem três livros publicados: “A Terra dá, a Terra quer”, de 2023; “Colonização, Quilombos: modos e significações”, de 2015 e “Quilombos, Modos e Significados” de 2007.  

“Começo, meio e começo”. Essa é uma das reflexões marcantes do pensador, hoje grande ancestral brasileiro, que questiona o pensamento linear do fim evocando a circularidade como parâmento para perceber o tempo, a política e as formas de viver e resistir afro-pindorâmicas. Que o legado de Antônio Bispo seja o começo e o meio para novas reflexões e transformações. Nego Bispo, presente e viva à luta do povo quilombola do Brasil.