Nesta quarta-feira (7), o Ministério Público de Minas Gerais, a Defensoria Pública do Estado de Minas (DPE) e as Comissões de Atingidos e Atingidas da região 1 (Brumadinho) se encontraram virtualmente para falar sobre as dúvidas das comunidades. O diálogo aconteceu em uma reunião ordinária das Comissões, realizada semanalmente para garantir a participação informada das pessoas atingidas. Além de representantes da zona urbana e rural, moradores e moradoras dos quilombos e outros grupos estiveram presentes.

Mais de 50 representantes de comunidades de Brumadinho apresentaram dúvidas sobre o Programa de Transferência de Renda (PTR), os projetos para políticas públicas do município e outros pontos do acordo firmado entre a Vale, o Estado de Minas e as Instituições de Justiça em fevereiro deste ano.

O promotor André Sperling, do Ministério Público Estadual, e o defensor Antônio Carvalho, da Defensoria Pública de Minas, representaram as Instituições de Justiça na reunião e responderam aos questionamentos das comissões de Brumadinho.

Programa de Transferência de Renda

Na reunião, os representantes das IJs reforçaram que todas as comunidades de Brumadinho terão direito ao PTR. O programa, que irá substituir o atual pagamento emergencial, prevê o pagamento de meio salário mínimo por adulto, 1/4 por adolescente e 1/8 de salário por criança.

Moradores e moradoras das comunidades chamadas de Zona Quente e familiares de vítimas fatais vão receber o valor de 1 salário mínimo por adulto.

Zona Quente: Córrego do Feijão, Tejuco, Parque da Cachoeira – assim considerado também o desdobramento de Cantagalo – o Parque do Lago, Alberto Flores, Pires, Monte Cristo/ Córrego do Barro, Córrego Fundo e Assentamento Pastorinhas.

Familiares de Vítimas Fatais: Familiares definidos de acordo com o Ministério Público do Trabalho MPT: pais, cônjuges; filhos; irmãos de vítima fatal. Recebimento independe da renda do núcleo familiar.

O promotor André Sperling explicou que os critérios do Programa de Transferência de Renda já foram homologados, ou seja, aprovados pelo juiz, e que o prazo para apresentação de proposta da organização que irá gerenciar o PTR se encerrou nesta terça-feira (6).

Quem vai gerir o PTR?

Segundo o representante do Ministério Público, cinco entidades se candidataram para gerenciar o programa, após chamamento público feito pelas Instituições de Justiça. As IJs irão analisar as propostas técnicas e os preços de cada uma e indicar uma delas ao juízo do processo, que fará a escolha final.

“Quem vai contratar efetivamente a empresa é o próprio juízo. Ela (empresa) será um auxiliar do juízo nesse processo de Transferência de Renda”, explicou André Sperling, apontando que essa indicação deve ser feita nas próximas semanas.

“Queremos encerrar esse processo de escolha e envio do nome da empresa ao juiz, para que em setembro, efetivamente, essa empresa já possa assumir o Programa de Transferência de Renda”, completou o promotor.

Será necessário novo cadastro no PTR?

Os representantes das Instituições de Justiça informaram, na reunião de comissões, que a empresa escolhida para o PTR vai usar o banco de dados que está atualmente sendo gerido pela empresa que a Vale contratou para o pagamento emergencial. Ou seja, quem está recebendo regularmente vai continuar no cadastro do PTR.

E quem tem problemas com o pagamento?

O MP e a Defensoria também disseram às comissões que haverá o desbloqueio das pessoas que foram injustamente bloqueadas. De acordo com as IJs, o desbloqueio foi uma das obrigações apresentadas às empresas que se candidataram para gerir o PTR.

“A gente pretende fazer a reanálise de todos os casos, desbloquear as pessoas que têm direito e aí pagar os atrasados e inserir essas pessoas no Programa de Transferência de Renda”, explicou o promotor André Sperling.

A Defensoria Pública Estadual tem feito pedidos de revisão e vai continuar acompanhando os pedidos de análise feitos no PTR, que deverá ter ferramentas próprias de solicitação pelos atingidos e atingidas com problemas no recebimento do benefício.

Questão da água e outras demandas emergenciais

Evandro França, da comunidade do Tejuco, denunciou a falta do fornecimento de água na região.

“Até quando vamos ter que aguardar um retorno da Vale para a minha comunidade do Tejuco? A gente está sem água desde, praticamente, dezembro, então já vamos pra mais de 7 meses que a Vale nem senta com a gente para dialogar a respeito. A comunidade inteira reclama dessa (falta de) água. Acho que é um direito de todos, ainda mais em uma pandemia dessas, onde muitos estão voltando de hospitais, tenho vários parentes que voltaram de hospitais e dependem dessa água, dependem da manutenção dessa água o mais rápido possível”, reclamou o atingido.

As questões emergenciais, como a necessidade de água, não fizeram parte do acordo e ainda assim continuam sendo obrigações próprias da empresa poluidora, como informaram as Instituições de Justiça.

Danos ao meio ambiente e à saúde

As Comissões de Atingidos e Atingidas também manifestaram preocupação quanto à reparação de danos ambientais e suas consequências à saúde humana.

“Tudo o que está relacionado à saúde está fora do acordo. Todos os danos causados aos atingidos em termos de saúde não estão no acordo. Ou seja, não existe nenhum tipo de limite de gasto, não existe nenhum tipo de limite de reembolso com despesas médicas, não existe nenhum tipo de limite e está fora do acordo. Assim como as questões ambientais não tem limite de gastos e estão fora do acordo”, informou o promotor do Ministério Público Estadual.

“Ou seja, a reparação de todos os danos ambientais vai ocorrer independente de quanto será o gasto que a Vale vai ter. Se o rio levar 15 anos para voltar a ser o que era antes, a Vale terá que gastar 15 anos para que o rio volte a estar como era antes. Todo esse trabalho na questão ambiental também não está dentro do acordo, está aberto ainda a mais gastos do que foi determinado no acordo”, completou André Sperling.

Projetos para Brumadinho

O acordo prevê cerca de R$ 1,5 bi (um bilhão e quinhentos milhões) para projetos voltados à melhoria das políticas públicas de Brumadinho (anexo 1.4 do acordo). Segundo as Instituições de Justiça, cerca de 3.400 projetos foram inscritos para toda a Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias.

Como serão escolhidos os projetos?

Em parceria com a Aedas, comunidades de Brumadinho inscreveram 337 projetos (confira lista completa aqui). As IJs informaram que está sendo criado um aplicativo para consulta à população. Brumadinho, assim como as demais cidades da Bacia, poderá priorizar uma das 5 áreas de abrangência dos projetos. Os compromitentes devem analisar quais dos projetos contemplam melhor a necessidade do município e podem complementá-los.

O dinheiro é do município de Brumadinho e não será entregue à prefeitura, como explicaram os representantes das IJs. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) deverá auxiliar nesse processo de implementação dos projetos.

Indenizações individuais

Na reunião, o promotor e o defensor público também voltaram a falar sobre o direito às indenizações individuais e a reforçar que elas não foram tratadas no acordo fechado em fevereiro. O Programa de Transferência de Renda, por exemplo, não se trata de indenização, e por isso, não poderá ser descontado em ressarcimentos futuros.

O acordo trata dos danos ao meio ambiente e suas implicações na renda da população , por isso são difusos, pois não é possível delimitar quem sofreu especificamente os danos.

Em outro processo, que não o do acordo, o MPE está pedindo que todas as pessoas que sofreram danos individuais pelo rompimento sejam ressarcidas. Ou seja, todas as pessoas que sofreram pela mesma causa do dano: o rompimento da barragem em Brumadinho.

“Vai ser feita uma perícia pela UFMG, que criou um Comitê Técnico Científico, que deve individualizar os danos das pessoas”, explicou André Sperling. Clique aqui para saber mais sobre como são produzidas as provas da perícia técnica de diagnóstico.

Controles dos gastos do acordo

Sobre os questionamentos das Comissões de Atingidos e Atingidas quanto ao risco de desvios dos recursos, as IJs responderam que estão previstos, e já em atuação, diferentes mecanismos de controle de gastos. O MPE e a Defensoria apontaram que outros agentes de fiscalização e acompanhamento devem ser destacados como a Fundação Getúlio Vargas e auditoria independente, como a que será contratada para controlar a aplicação dos recursos do PTR.