Resolução nacional reconhece unidades territoriais tradicionais como promotoras de saúde complementares do SUS
Saberes medicinais ancestrais têm historicamente produzido ações de prevenção e promoção à saúde física e mental nos territórios brasileiros

Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana, como terreiros, barracões, casas de religião, dentre outros, são tradicionalmente espaços de acolhimento.
O Conselho Nacional de Saúde aprovou recentemente uma resolução em que uma das propostas para a saúde pública no Brasil é o reconhecimento das manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana como pontos cruciais de acolhimento à saúde e cura complementares do Sistema Único de Saúde (SUS).
A resolução é fruto das Conferências de Saúde, que ocorreram neste ano nas comunidades, municípios e nos estados, seguindo para a etapa Nacional, de onde a resolução foi aprovada.
Para a mãe Daniele Araújo, 42 anos, filha de Oxóssi e Oxum, Sacerdotisa do Aldeia de Canjica em Mário Campos, a resolução aprovada é um reconhecimento das contribuições que, por muito tempo, foram proibidas e ainda hoje são estigmatizadas.
“Eu aprendi a comemorar as pequenas vitórias, de passo em passo. Esse reconhecimento pode parecer muito pouco, ser só um item. Mas é um item dentro do Conselho de Saúde Nacional, é uma coisa para o país. Isso é fruto da luta da gente. Isso é reconhecimento e também fruto do trabalho de muitas das pessoas que vêm, de alguma forma, trabalhando em prol dessa questão da nossa ancestralidade, da nossa cor, desse pertencimento, esse conhecimento, essa sabedoria que nos pertence e que de alguma maneira foi retirado. E a gente está reconhecendo isso também: que nos foi proibido de usar, mas agora está sendo reconhecido”, contou.

Na Bacia do Rio Paraopeba, a Aedas se articula com mais de 40 Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) nos municípios da Região 2. Jacqueline Martins, técnica da Aedas na equipe de Povos e Comunidades Tradicionais, reforça a importância dos saberes ancestrais, não só para as comunidades tradicionais, como também para todas as regiões próximas a elas.
“Esse reconhecimento é de grande importância para os povos tradicionais de matriz africana, pois esses espaços, são historicamente espaços de promoção à saúde, que há décadas têm apresentado e ofertado para a sociedade caminhos terapêuticos, a partir do cultivo e do manejo de plantas, das ervas e sementes, bem como a partir do preparo da comida sagrada e das rezas. Esses saberes, ecológicos e medicinais tradicionais ancestrais, têm historicamente produzido ações de prevenção e promoção à saúde, fundamentado em uma cosmologia que integra o mundo físico e espiritual, possibilitando bem-estar e o bem viver e suas próprias unidades territoriais tradicionais, nas comunidades adjacentes e para todos e todas aqueles e aquelas que as procuram como espaços de acolhimento”, explicou Jacqueline.
Reconhecimento histórico diante do racismo religioso
O reconhecimento pelo Conselho Nacional de Saúde também é uma decisão histórica quando levarmos em consideração as perseguições sofridas por esses povos de matriz africana. A discriminação ataca e hostiliza as práticas terapêuticas ancestrais preservadas nesses espaços tradicionais.
“Reconhecer os terreiros, barracões, casas de religião de matriz africana, enquanto espaços de saúde e acolhimento, representa um passo dado nessa luta antirracista, que perpassa exatamente em reconhecer o devido valor social e a contribuição que esses povos têm ofertado historicamente à sociedade brasileira, a partir dos seus saberes ancestrais, promovendo uma concepção de saúde que se realiza no acolhimento da diferença, na promoção da diversidade, na solidariedade e na partilha do alimento, no respeito aos mais velhos, no uso de folhas diversas para chás e banhos. Esses são importantes avanços institucionais dentro das políticas públicas de saúde e para a defesa e proteção dos direitos desses povos”, completou Jacqueline.

Sobre a resolução
A Resolução nº 715, de 20 de julho de 2023 Dispõe sobre as orientações estratégicas para o Plano Plurianual e para o Plano Nacional de Saúde provenientes da 17ª Conferência Nacional de Saúde e sobre as prioridades para as ações e serviços públicos de saúde aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde.
Confira abaixo o trecho relacionado às Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana:
46. “(Re)conhecer as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS, no processo de promoção da saúde e 1ª porta de entrada para os que mais precisavam e de espaço de cura para o desequilíbrio mental, psíquico, social, alimentar e com isso respeitar as complexidades inerentes às culturas e povos tradicionais de matriz africana, na busca da preservação, instrumentos esses previstos na política de saúde pública, combate ao racismo, à violação de direitos, à discriminação religiosa, dentre outras”.
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Texto: Valmir Macêdo