A mobilização reuniu centenas de pessoas atingidas e marcou, de forma oficial, a entrega de documento com pautas de reivindicação de toda a Bacia a representantes do governo federal
Colorindo com bandeiras de luta a Av. Minas Gerais, em Governador Valadares, a população luta por Justiça e Participação – Foto: Cleiton Santos

Centenas de pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP, marcharam em busca de direitos pelas ruas de Governador Valadares, na tarde da última quinta-feira (31). A mobilização reuniu atingidos e atingidas de 30 cidades da Bacia do Rio Doce e também marcou, de forma oficial, a entrega do documento com pautas de reivindicações de toda a Bacia a representantes do governo federal. A Aedas, enquanto assessoria técnica independente escolhida para acompanhar 15 municípios entre o Vale do Aço e Leste de Minas, esteve presente neste dia de luta popular.  

O documento, entregue à Advocacia Geral da União, Secretaria da Presidência da República e demais entidades presentes, pontua, por exemplo, a necessidade do combate à fome, a defesa das assessorias técnicas independentes nos territórios e a criação de fundos coletivos e comunitários (documento completo ao final da matéria). 
 
Joceli Andrioli, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), cobrou a justiça da reparação coerente com as demandas populares. “Um dos culpados de quase oito anos depois esse crime não ter sido reparado é a justiça brasileira. Infelizmente, nosso judiciário fez vergonha aos atingidos e atingidas que sofrem até hoje com a injustiça. Estivemos na audiência no dia que a Vale foi ouvida no tribunal da Inglaterra. E essa ação internacional o movimento está apoiando porque cria uma pressão muito grande nas empresas criminosas. Nós estamos apostando tudo para que na repactuação sejam considerados todos os danos coletivos, mas também os direitos individuais. E, infelizmente, os direitos individuais não estão sendo tratados nas mesas de negociação”, afirma. 

É essa cobrança por direitos que segue impulsionando a vida de milhares de atingidos. Apesar do desgaste físico e emocional de ter de lidar com a vida modificada desde o rompimento, a esperança por justiça é latente na vida das pessoas atingidas. 

“Como a gente sempre tem falado, não existe repactuação sem o atingido, sem a presença daquele que foi, de fato, alcançado por essa tragédia. Nós estamos nessa luta já há quase oito anos. A nossa demanda era muito grande. Nós não temos água tratada, nós estamos à mercê. Muitas pessoas não foram reconhecidas, outras indenizações que foram feitas são injustas. E a gente não vai parar. A nossa voz é voz de justiça e ela vai não vai recuar. A gente sabe que vai dar certo”, destaca a confeiteira Eliane Gomes Silva, moradora da Ilha do Rio Doce, município de Caratinga. 

Eliane Gomes Silva, moradora da Ilha do Rio Doce, município de Caratinga – Foto: Glenda Uchôa

 Presentes no ato ao lado dos atingidos, as assessorias técnicas independentes fortaleceram o coro para que as pessoas tenham oportunidade de influenciar no acordo de repactuação que será feito. “O objetivo da Aedas neste momento, tendo sido eleita para assessorar os atingidos na bacia do Médio Rio Doce, é se colocar ao lado das pessoas aqui para ouvir o que elas estão dizendo. A gente observa, por exemplo, demandas pela equiparação do PIN Água com Novel Água, pelo recebimento do AFE mesmo para as pessoas que receberam Novel, pela afirmação de um Programa de Transferência de Renda na Repactuação que trabalhe a questão da fome da bacia do Rio Doce”, elenca Franciene Vasconcelos, coordenadora institucional da Aedas.  

Justiça é construção popular – Foto: Glena Uchôa
Técnicos garantem segurança no ato
Governo Federal se compromete a considerar participação popular

A secretária geral da Presidência da República, Kelli Oliveira Mafort, que também estava presente no ato público, destacou que o objetivo do Governo Federal é atuar para que seja garantida a participação social. “Nós do Governo Federal, especialmente da Secretaria Geral da Presidência, temos como missão a participação social e em relação a repactuação que está sendo discutida na bacia do Rio Doce, não poderia ser diferente. Nós só poderemos ter uma indenização justa, uma reparação de tudo o que aconteceu aqui, deste grande crime, se nós tivermos a participação social em todas as etapas. E é justamente isso que nós do Governo Federal e da Secretaria Geral da Presidência estamos defendendo. 

Representantes públicos recebem documentos – Foto: Mariana Duarte
Adjunto do Advogado-Geral da União, Junior Fideles e Deuáma Meire Mniamá Purí 

Ela ainda acrescentou que sabe que esta luta existe há muito tempo, mas afirmou que a reparação justa deve ter uma participação conjunta entre as autoridades envolvidas e as pessoas atingidas. “Nós sabemos que são 8 anos. Há um descaso muito grande nessa questão e a gente quer reparar isso, para reparar isso tem que ter a participação de todos os responsáveis, da empresa, do Governo Estadual, do Governo Federal, mas também dos atingidos, das atingidas, porque só com essa participação direta que a gente vai conseguir chegar de fato a uma reparação justa”, explica. 

A defensora pública Carolina Morishita, que atua no Núcleo Estratégico para Proteção de Vulneráveis em Situação de Crise em Minas Gerais, falou sobre a importância da mobilização social. “Atos como este ajuda a gente demonstrar que essa pauta ela veio do povo, que as pessoas estão acompanhando cada uma dessas etapas, que elas têm é consciência de quais são os seus direitos e vão organizadamente buscar o atendimento de cada um deles. Então isso que a gente tem tentado construir na mesa é para que a gente consiga prosseguir conjuntamente em todas essas fases e construir direitos que chegam a todas as pessoas atingidas na Bacia do Rio Doce”, pontou. 

Foto: Cleiton Santos
Muitas pautas e uma carta 

Dividido em 14 eixos, pessoas atingidas que estiveram neste ato queriam não só manifestar a indignação pela falta de participação na mesa de negociações no acordo de repactuação do Rio Doce, mas também entregar às autoridades presentes (Advocacia Geral da União, Defensoria Pública de Minas Gerais e Secretaria Geral da Presidência da República) um documento intitulado “PAUTA DOS ATINGIDOS E ATINGIDAS DA BACIA DO RIO DOCE E LITORAL CAPIXABA” com reivindicações de toda a bacia do Rio Doce exigindo que as autoridades as considerem no processo de repactuação. 

Veja abaixo a organização destes eixos.  

  1. Reparação com protagonismo popular e apoio das Assessorias Técnicas Independentes 
  1. Indenização individual justa 
  1. Rio Doce Sem Fome 
  1. Fundo Popular 
  1. Fundo Social 
  1. Restituição ao direito de Moradia Adequada 
  1. Saúde  
  1. Rio Doce Vivo 
  1. Auxílio Financeiro Emergencial 
  1. Criação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e da Política de Proteção e Segurança das Populações Ribeirinhas 
  1. Criação de um Fundo Nacional para reparação, proteção, segurança e desenvolvimento dos territórios atingidos, direcionado à solução dos problemas das populações atingidas e ribeirinhas.  
  1.  Efetivação da deliberação 58 do CIF de 31 de março de 2017, que reconhece o litoral capixaba (áreas estuarinas, costeiras e marinhas) como região atingida, incluindo Fundão e Serra integralmente. 
  1.  Reconhecimento de novas categorias e territórios ainda hoje excluídos da reparação na bacia do rio Doce e litoral capixaba, como cadeias de apoio a pesca, agricultura e turismo, surfistas, manchas de inundação (deliberação 617 do CIF), áreas de assentamentos, comunidades tradicionais, entre outros.  
  1.  Aprovação da Política Estadual de Direitos dos Atingidos por Barragens (PEAB) pelo governo do Espírito Santo.  

CLIQUE ABAIXO E LEIA NA ÍNTEGRA A PAUTA DOS ATINGIDOS. 

Além da pauta, outro momento marcante no ato público foi a leitura aberta de uma carta ao presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que afirmava que “menos de 10% dos atingidos receberam algum valor pelos danos individuais e os que receberam foram obrigados a assinar uma quitação final dos direitos presentes e futuros”.   

A carta, em tom de denúncia e pedido de ajuda, elencou como um dos principais focos a perda da renda das pessoas atingidas. Veja: 
 
“Estamos sem trabalho e renda. Como pescadores, marisqueiros, areeiros, carroceiros, bordadeiras, ilheiros, agricultores, pecuaristas, comerciantes vimos piorar a nossa condição de trabalho. Em toda crise econômica, o rio era nossa fonte de alimento e trabalho. Desde o rompimento, isso acabou. E a cada enchente, que agora é uma tragédia de rejeitos anual na nossa região, tudo que foi organizado e conquistado pelo trabalho se perde e novamente os danos se acumulam virando prejuízos e doenças.” 

Com dois pedidos específicos, a carta finaliza pedindo que a voz das pessoas atingidas seja ouvida e a esperança respeitada. 

CLIQUE ABAIXO E LEIA A CARTA AO PRESIDENTE LULA. 

Participação indígena 

Na região do Médio Rio Doce, duas etnias indígenas lutam por reparação justa: os Puri e os Krenak. Os Pury enfrentam situação delicada uma vez que há alguns anos têm realizado trabalho de retomada de sua própria identidade, questão que os tem colocado em constante conflito por reconhecimento. 

A liderança indígena Purí (no Leste de Minas), Deuáma Meire Mniamá Purí, falou durante a concentração para início da passeata sobre os anos de luta e como o pagamento de indenização de água é problemático para quem sofre com a falta d’água. 

Povo Pury cobra por reconhecimento e direitos durante caminhada Por Indenização e Justiça – Foto: Glenda Uchôa

“A minha família vem lutando há anos, desde que essas empresas vieram minerando. Elas vêm tirando todo o nosso precioso trabalho. Toda a nossa preciosa riqueza. O que estas mineradoras pretendem? Acabar com nossa vida de pouco a pouco. O que que adianta pagar um mísero mil reais pra água. Será se vocês terão condições de comprar água desta forma? Se as empresas rés não cumprirem com estas demandas sobre nossos direitos, a gente vai ter que apelar”, refletiu. 

Meire Mniamá Puri ainda aproveitou o momento para entregar às autoridades um levantamento preliminar dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão à população de atingidos e atingidas do povo Uchô Betlháro Pury de Aimorés. O documento fala não só o contexto dos crimes gerados pelo rompimento da barragem, mas fala também do Protocolo de Consulta Puri que vem sendo construído com apoio da Aedas. 

O ato seguiu pacífico durante todo o seu trajeto, finalizando à beira do Rio Doce, de frente para o Pico de Ibituruna, onde os presentes reafirmaram que “Do Rio ao Mar, justiça é construção popular”. 

Foto: Glenda Uchôa

Texto: Glenda Uchôa e Mariana Duarte/equipe de comunicação da Aedas Médio Rio Doce