A Aedas, assessoria técnica independente (ATI) que atua no Médio Rio Doce, iniciou nesta semana a realização do Registro Familiar (RF), atividade que visa levantar informações para caracterizar os núcleos familiares e a extensão dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão. Até esta sexta-feira (21), os quinze municípios que a Aedas assessora foram visitados e um total de 785 formulários foram aplicados no Vale do Aço e Leste de Minas. 

A ação, que tem como objetivo final caracterizar com dados a realidade das pessoas atingidas sete anos após o desastre-crime, começou com mutirões em pontos estratégicos dos munícipios. De segunda (17) à sexta (21), os técnicos e técnicas da Aedas estiveram realizando mutirões de aplicação do Registro Familiar nas comunidades de Cachoeira Escura, em Belo Oriente, Naque, Resplendor e Aimorés. Neste sábado, os mutirões também acontecem em Pedra Corrida, na Escola Municipal Dom José Pires; e na comunidade dos indígenas da etnia Puri, em Aimorés. 

Os formulários aplicados pela equipe técnica são minuciosos e contém diversas perguntas sobre como a vida das pessoas atingidas era antes do rompimento da barragem e como elas foram alteradas após o desastre-crime. Questões sobre recebimento de auxílios, saúde física e psicológica e até formas de acesso à informação são perguntadas. 

Agendamento 

A pessoa atingida que não puder participar dos mutirões para a aplicação do Registro Familiar, pode acionar um mobilizador ou mobilizadora durante o mutirão, ou por meio do WhatsApp, e deixar sua entrevista agendada para o melhor dia e horário. 

Com esta possibilidade ainda aberta, a equipe técnica já registrou 398 agendamentos. Destes 139 são do Leste de Minas, e 259 são do Vale do Aço. Com o agendamento da aplicação do RF, o(a) atingido(a) recebe o(a) técnico(a) no conforto de casa. 

ATI em território 

O Registro Familiar é uma das ferramentas que a ATI utilizará no Médio Rio Doce para assessorar as pessoas atingidas. Os trabalhos na região começaram nos meses iniciais de 2023. A instalação das ATIs veio após decisão judicial, do fim de 2022, que definia o repasse de recursos necessários para estabelecimento em territórios atingidos. Atingidas e atingidos lutam pela assessoria técnica desde 2016, quando passaram a debater a necessidade delas atuando em suas comunidades. 

O rompimento da Barragem de Fundão, não fez apenas 19 vítimas que tiveram suas vidas ceifadas bruscamente, mas milhares de pessoas acabaram por ter suas existências alteradas. Ao longo de todo o rio Doce, há histórias diversas sobre como o rompimento afetou famílias, rotinas e modos de sustento, lazer e convivência comunitária.  

Como é o caso da Dona Aparecida Maria Augusto, moradora de Cachoeira Escura, distrito do município de Belo Oriente (MG). Ela esteve na Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, local onde ocorreu mutirão das primeiras aplicações do RF na segunda (17), e relatou como a vida da sua família mudou após o rompimento. 

“Tinha minha mãe doente comigo. Ela tinha problema de saúde respiratório seríssimo e era muito difícil para cuidar; (…) meu esposo naquela época, era uma pessoa muito saudável. Ele ajudou muito a Cruz Vermelha a distribuir água e hoje, infelizmente, nós vivemos uma vida mais difícil, porque nossos filhos se deslocaram para trabalhar fora porque houve desemprego (…). E o pior de tudo que hoje eu vivo, é meu esposo que sofreu câncer de pâncreas. Hoje ele está com o corpo todo tomado de metástase. Tem uma coceira no corpo constantemente”, detalha.  

Assim como aconteceu com Dona Aparecida, o rompimento foi trazendo danos diferentes a outras famílias. No caso da família de Elisse Ambrósio, também moradora de Cachoeira Escura, as mudanças começaram quase imediatamente. Ela conta que um dia após o desastre-crime, o neto apresentou problemas na pele e toda a família passou a ter reações também.  

“Eu estava com um neto prematuro e assim que passou essa barragem (…), aí no outro dia, a gente foi esquentar água para dar banho no netinho, que ele era prematuro, amornou a água, temperou direitinho, deu banho no menino assim que terminou de tomar banho, ficou todo vermelho. Ele feriu todo. Inclusive ele não tá aqui, tá em Santa Catarina, sarou, mas ficou todo cicatrizado. A gente quando tomava banho, a gente ficava todo pinicando. A partir dessa data, a gente não pode tomar essa água mais”, conta.  

Mayara Costa, coordenadora da equipe de Raça e Gênero da Aeda, afirma que os dados levantados no RF serão encaminhados às intâncias competentes. “O registro Familiar, nesse momento, é essa grande ferramenta, um instrumento construído com as informações que o povo queria, e é muito importante para levantar a situação de todas as comunidades que a gente trabalha: como elas estão após quase 8 anos do rompimento? A resposta que cada pessoa atingida vai dar, trará dados concisos, que irão endossar os documentos encaminhados a todas as instâncias, mostrando como as comunidades estão. Quem recebeu os auxílios, quem não recebeu, o que a comunidade quer, como ela quer, são informações que pretendemos levantar”, disse. 

Mayara Costa, coordenação de Raça e Gênero da Aedas, fala sobre o Registro Familiar durante Assembleia “Direitos e Justiça” em Naque, com presença do governo federal, no mesmo dia e local do Mutirão de Aplicação do RF.

Outras atividades 

Nas próximas semanas, a equipe técnica da Aedas vai passar a desenvolver um diálogo ainda mais direto com as pessoas atingidas por meio dos Grupos de Atingidos e Atingidas (GAAs). Estes grupos visam realizar reuniões de núcleo para levantar as demandas comunitárias, levá-las às Rodas de Discussão e enfim serem avaliadas nas Assembleias. 

Além disso, pessoas atingidas estão se organizando para uma grande campanha pelo direito à participação popular dos atingidos na repactuação do chamado acordo do Rio Doce, e o primeiro ato público deve ocorrer em agosto, na cidade de Governador Valadares (MG). Logo depois, em setembro, outro ato está programado para ocorrer em Brasília. 


Texto: Mariana Duarte – Equipe de Comunicação do Médio Rio Doce da Aedas