Comunidades de Raul Soares (MG) e Abre Campo (MG) conquistam direito à assessoria técnica independente
Seis microrregiões atingidas pela implementação de empreendimentos hidrelétricos serão acompanhadas pela Aedas no detalhamento de danos e outros direitos

Atingidos há mais de 20 anos pela construção das hidrelétricas e com diversos direitos violados, comunidades da Zona da Mata Mineira conquistaram o direito à participação informada garantida com uma Assessoria Técnica Independente (ATI). As seis microrregiões, e suas respectivas localidades, que serão assessoradas pela Aedas, são: Bicuíba, São Lourenço, Valão, Granada, Bonfim e Raul Soares.
Desde a implementação dos empreendimentos hidrelétricos João Camilo Penna (Emboque) e Túlio Cordeiro (Granada), ambos no rio Matipó, na bacia hidrográfica do Rio Doce, as comunidades têm se organizado e manifestado reivindicações acerca de danos sofridos com a construção da barragem.
Após a reivindicação das famílias, o Ministério Público de Minas Gerais e a empresa Brookfield Energia Renovável, reconheceram a necessidade de elaboração de Diagnóstico de forma a caracterizar os danos não reparados causados pelo empreendimento às famílias atingidas. Um diagnóstico foi elaborado em fevereiro de 2014 pela Associação Comunitária Dos Agricultores Familiares Atingidos Pelas Barragens de Abre Campo e Emboque (ACOMABAGEM), com 249 famílias.
A Aedas, enquanto assessoria técnica independente das comunidades eleita pelos atingidos, dará continuidade à etapa seguinte ao Diagnóstico realizado, conforme Edital de Chamamento Público e Termo de Referência de 04 de maio de 2022.
Após reuniões nas comunidades atingidas, a assessoria construiu um plano de trabalho que deverá ser iniciado em 2023. A estimativa de público atendido pela Aedas é de 350 famílias atingidas.

Moacir Ferreira é morador da comunidade de Granada. Ele conta como as enchentes prejudicaram o modo de vida da população dos territórios.
“Nós passamos por esse momento difícil. O rio enche e a gente não é comunicado, ninguém avisa a gente de nada. A gente tem que se virar porque eles não avisam pra gente nada, como vai acontecer, como o rio está subindo. É muito difícil aqui”.
Para Maria Madalena dos Reis, moradora de Córrego do Moinho Bicuíba, em Raul Soares, a assessoria técnica é uma conquista e traz segurança para os atingidos nos momentos de negociação de direitos com a empresa.
“É um avanço muito grande que os atingidos conquistaram. Ter uma assessoria que vai tá assessorando eles, acompanhando eles. A gente vê a expectativa, o quanto estamos nos sentindo seguros. E em várias reuniões que a gente se senta com os atingidos, escutamos a cobrança da presença da assessoria em todos os momentos de negociação”, contou Madalena.

Cláudio da Silva, o Miquéias, da comunidade de São Lourenço, também no município de Raul Soares, falou da esperança que chega junto com a ferramenta da assessoria na conquista de direitos.
“Agora a gente tem uma luz, um renascer de uma grande esperança de que a Aedas possa nos ajudar nessa assessoria técnica. Nos ajudar a resolver essa questão de que as pessoas nunca vão receber os prejuízos que tomou. Que pelo menos parte seja avaliada pela assessoria técnica e pelo Ministério Público e pela empresa. Que os atingidos por barragem, que somos nós, possa ter acesso a alguns direitos sobre as causas dos danos que a barragem chegou aqui e implantou, em uma comunidade que vivia do seu próprio sustento, do seu próprio suor, na labuta do dia a dia, na terra e no campo”, afirmou Cláudio.

Verônica Medeiros, da coordenação institucional da Aedas, explica que atuação da assessoria vem para fortalecer as pautas já cobradas pelas comunidades, e promover o acesso a informações técnicas de maneira acessível.
“Esta participação tem como elemento central o estabelecimento de mecanismos e procedimentos que favoreçam a informação qualificada, a tradução de dados técnicos e a consolidação de pleitos das famílias incluídas no Diagnóstico. E contribuir para a compreensão das pessoas atingidas sobre as possibilidades reais do acesso às ações reparatórias e, assim, para suas decisões relacionadas ao futuro de suas vidas”, comentou Verônica.
Objetivos da assessoria nos territórios

O objetivo da Aedas nos territórios atingidos é apoiar as famílias incluídas no Diagnóstico na construção de propostas coletivas e individuais, bem como na eventual negociação dessas propostas, visando sua satisfação com as medidas implementadas e a melhoria da qualidade de vida nas comunidades.
Nas reuniões comunitárias para elaboração do Plano de Trabalho realizadas em fevereiro de 2023, os seguintes objetivos específicos foram construídos junto às famílias assessoradas:
1. Construir propostas de indenização justas, tendo em vista a satisfação das famílias incluídas no Diagnóstico.
2. Construir propostas que visem a melhoria da qualidade de vida da comunidade em suas diversas dimensões
3. Propor medidas para a solução definitiva dos problemas gerados pela Estação de Tratamento de Esgoto em Bicuíba
4. Propor medidas que solucionem os problemas ocasionados pelas enchentes às famílias incluídas no Diagnóstico
5. Apoiar as famílias incluídas no Diagnóstico na conquista do Direito à moradia

Tendo em vista que a assessoria técnica independente é passageira no território, ou seja, não durará para sempre, é necessário garantir meios pelos quais a população do projeto possa participar efetivamente e exercer o controle social sobre as medidas implementadas, de forma autônoma. Para isso, a Aedas acrescentou mais um objetivo no plano de trabalho a ser realizado no território:
6. Realizar processos formativos e informativos que visem a promoção da capacidade popular de controle social autônomo na implementação das medidas acordadas.
Plano de trabalho aguarda negociação com a empresa
O plano de trabalho feito pela Aedas foi construído com a participação das comunidades atingidas e aguarda os trâmites de negociação com a empresa responsável pelo empreendimento.

Direito à ATI
No estado de Minas Gerais, o direito à ATI está previsto na lei estadual n. 23.795 de 15 de janeiro de 2021, que institui a Política Estadual de Atingidos por Barragens (PEAB/MG) e que prevê, em seu art. 3º, inc. VIII o “direito a assessoria técnica independente, escolhida pelos atingidos por barragem e a ser custeada pelo empreendedor, para orientá-los no processo de reparação integral, nos termos de regulamento”.
O reconhecimento desse direito por parte dos empreendimentos hidrelétricos João Camilo Penna (Emboque) e Túlio Cordeiro de Melo (Granada) representam um avanço importante para a reparação justa de atingidos por barragens, e um marco no estado de Minas Gerais, sendo o primeiro caso de barragem hidrelétrica a reconhecer a necessidade de participação social na tomada de decisão relativas às medidas implementadas para satisfação da população atingida.
Texto: Valmir Macêdo