Mesmo com a suspensão, a Vale continua com a obrigação de pagar as indenizações individuais. Confira mais sobre o assunto na matéria publicada no Vozes do Paraopeba
Sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em Belo Horizonte. Foto: Cecília Perderzoli/TJMG

A população atingida de Brumadinho e da Bacia do Rio Paraopeba, junto com as assessorias técnicas independentes (ATIs) e as organizações populares, comemoraram, em março de 2023, uma decisão histórica que dava início ao processo de sistematização de identificação das pessoas atingidas e da quantificação dos danos por elas sofridos. Também chamado de liquidação, esse processo tem por objetivo:  

  1. definir QUAIS são os danos que podem ser indenizados;
  2. definir os VALORES/PREÇOS desses danos (valoração/precificação). Embora a decisão trate de valores de indenização, a Aedas entende que as pessoas atingidas devem decidir, a cada caso, se a reparação será por meio de indenização (pagamento em dinheiro correspondente ao prejuízo), compensação (substituição daquilo danificado por algo similar) ou recuperação (retorno daquilo danificado às suas condições originais);
  3. definir QUEM SÃO as pessoas credoras, ou seja, as pessoas que têm direito a esses valores e 
  4. indicação das FORMAS E CRITÉRIOS de comprovação da situação de pessoa credora. 
Liquidação? O que é isso? 

A palavra “liquidação”, no sentido jurídico, significa determinar o objeto da condenação, permitindo que a fase de execução do processo seja possível, ou seja, que as pessoas atingidas saibam exatamente o que é devido pela Vale S.A., de forma individualizada, pelos danos causados pelo rompimento. 

Para que serve a fase de liquidação da sentença? Assista ao vídeo com Gabriela Soares, advogada da Aedas, sobre o assunto:
Mineradora recorreu pedindo anulação da decisão 

Pouco menos de um mês depois, a Vale S.A. recorreu da decisão. No dia 13 de abril, a empresa recorre alegando que a decisão é nula, em razão de não ter sido intimada a se manifestar sobre o pedido de instauração do procedimento de liquidação, antes que o juiz decidisse. A mineradora alegou ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como em desrespeito ao princípio da não surpresa previsto nos arts. 9º e 10º do Código de Processo Civil. 

Quanto ao conteúdo decidido, a mineradora sustenta que o momento é inapropriado para a inversão do ônus da prova e instauração da liquidação porque ainda estão sendo realizadas perícias para identificação e quantificação dos danos individuais (perícias da UFMG que ainda estão sendo realizadas). Alega que não há necessidade de contratação novamente da UFMG para realização de perícias que, em tese, já estão em curso e que foram mencionadas expressamente do Acordo de 2021 o qual teria previsto diretrizes para a sua realização.  

A Vale S.A. afirma, ainda, não ser necessária a contratação das ATIs, uma vez que o acordo de 2021 deu por resolvidos todos os pedidos iniciais de contratação das ATIs . Pede, caso seja mantida a decisão, a finalização da perícia em andamento, alegando sobreposição entre o escopo e atuação de duas perícias simultâneas. Diz que a liquidação coletiva é inadequada, ao argumento de que somente após a identificação dos danos e das pessoas atingidas pela UFMG será possível a instauração da fase de liquidação de sentença, que deverá ser individual. Sustenta que as IJs não possuem legitimidade, ou seja, não podem pedir a instauração do procedimento de liquidação por se tratar de direitos individuais disponíveis.   

É importante notar, portanto, que a questão central da Vale S.A é impedir que exista um processo coletivo de identificação de danos e de pessoas atingidos, deixando apenas como opção que cada pessoa atingida, sozinha, busque na justiça a reparação de seus danos, produzindo suas próprias provas. 

Desembargador acolhe o pedido da Vale e suspende a decisão 

No dia 14 de abril, o desembargador Leite Praça, da 19ª Câmara Cível, que faz o relatório do recurso para julgar junto com outros dois desembargadores acolheu o pedido da Vale S.A. Com isso, o desembargador suspendeu a decisão do dia 13 de março, que dava início ao procedimento de identificação das pessoas atingidas, dos danos por elas sofridos e a forma de reparação a ser feita. Suspensão significa que a decisão não pode gerar efeitos práticos, mas não é anulada enquanto todos os desembargadores não analisarem juntos. 

Direito à indenização individual continua garantido 

A advogada Gabriela Soares, da equipe de Diretrizes da Reparação Integral (DRI) da Aedas, explica que o direito dos atingidos à indenização individual permanece garantido.  

“A suspensão dessa decisão não significa que as pessoas atingidas não terão direito à indenização individual. A Vale S.A continua condenada e terá que indenizar individualmente as pessoas atingidas. A Aedas e as demais ATIs continuam assessorando as pessoas atingidas e qualquer novidade em relação à indenização individual será divulgada amplamente pelos canais oficiais”, informou Gabriela Soares. 

Gabriela informou que o recurso do processo coletivo ainda é uma alternativa para os atingidos, mesmo com a suspensão da decisão após o recurso da mineradora.  

“O processo coletivo continua sendo uma possibilidade, pois o recurso ainda não foi julgado e ainda que seja julgado favorável à Vale S.A., o procedimento de liquidação ainda poderá ser retomado na primeira instância a depender do teor do acórdão, que será a decisão dos três desembargadores quanto ao recurso da mineradora”, pontuou. 

Outa informação importante é que o Programa Indenização Individual Extrajudicial (indenizações cíveis) referente ao rompimento, foi encerrado em 24 de janeiro de 2022, pela Vale S.A, uma vez que ela alega que, 03 anos após o rompimento, as pessoas não têm mais o direito de pedir essa indenização 

A advogada explicou ainda que não há definição da forma como será feita a reparação individual aos atingidos e esclareceu não ser necessário nenhum procedimento individual como apresentação de documentos ou contratação de advogado/a particular , pois a ação coletiva ainda está em curso com as Instituições de Justiças atuando em defesa dos direitos das pessoas atingidas, em busca de uma reparação integral e justa.  

“É importante ficar atento e se prevenir contra as informações falsas, pois não existe um valor definido para essas indenizações. Reforçamos ainda, que o processo coletivo é uma possibilidade para as pessoas atingidas, pois as conquistas da organização coletiva, no processo coletivo em curso, podem gerar valores de indenização mais justos do que os obtidos em uma ação proposta de forma individual pela pessoa atingida contra a Vale S.A.”, pontuou Gabriela Soares. 

É um direito da pessoa atingida ingressar com uma ação individual para obter a reparação individual dos danos que sofreu, ou seja, um novo processo, no entanto, para isso é necessário contratar um advogado particular ou ser assistido pela Defensoria Pública, para representá-la judicialmente. Já no processo coletivo, ainda não é o momento de buscar a reparação individual, não sendo necessário nenhum procedimento além da participação nos espaços das ATIs. 

População continua cobrando pelos direitos individuais 

A pauta da indenização individual está na ordem do dia da população, que sofre diariamente com os danos causados pelo rompimento da barragem da Vale S.A, desde janeiro de 2019. Ao longo desses mais de 4 anos, foram – e continuam sendo – muitos os danos e prejuízos às famílias atingidas.  

Os danos individuais são aqueles que atingem os bens de uma pessoa, seja móveis ou imóveis, como a moradia, automóvel, terreno e as coisas em geral, assim como a renda, a saúde e a vida de um indivíduo específico.  

Indenização individual não foi contemplada no Acordo e corre na Ação Civil Pública 

O direito à reparação individual não está previsto no Acordo Judicial firmado em fevereiro de 2021.  A reparação dos direitos individuais homogêneos  é um direito garantido pela sentença do dia 09/07/2019 e estão sendo discutidos na ação coletiva, para  (1) definição dos danos indenizáveis; (2)  valoração/precificação dos danos indenizáveis; (3) definição das pessoas credoras; (4) indicação das formas e critérios de comprovação da situação de pessoa credora 

O Acordo Judicial e seus anexos, a exemplo do Anexo I.1 dos Projetos de Demandas das Comunidades, dizem respeito à reparação dos danos coletivos e difusos. 

O que são danos coletivos? 

Os danos coletivos são aqueles que afetam um grupo, a exemplo das pessoas atingidas pelo rompimento, ou uma categoria profissional, por exemplo, pescadores e pescadoras, mas que não é possível identificar e quantificar o dano que cada pessoa sofreu. São exemplos de danos coletivos os causados ao abastecimento de água, à saúde, à educação, às estradas, dentre outros.  

O que são danos difusos? 

Os danos difusos são aqueles que afetam toda a sociedade e até as próximas gerações, não sendo possível definir o grupo atingido, nem quantificar os danos. São exemplos de danos difusos os danos ambientais provocados na Bacia do Paraopeba, como a contaminação do solo e da água, a destruição da biodiversidade e os danos ao patrimônio público.  

O que é um(a) desembargador(a)? 

Desembargador é um juiz de segunda instância, mais experiente, que pode modificar as decisões do juiz singular de primeira instância, por meio de recursos. A 19ª Câmara Cível é composta por cinco desembargadores, sendo o desembargador Leite Praça o presidente. 

Texto: Comunicação e DRI