Centenas de anos atrás, quando o Brasil Pindorama foi colonizado por expedições estrangeiras, muito sangue indígena foi derramado para que terras férteis fossem tomadas e saqueadas. Dessa forma, inúmeras etnias indígenas tiveram sua população reduzida significativamente. A etnia Puri era considerada erroneamente uma destas até pouco tempo atrás. Neste 19 de abril, dia dos Povos Indígenas, a Aedas traz um pouco da história de luta dos indígenas da etnia Puri, que estão localizados no Leste de Minas Gerais, em Aimorés e Resplendor, e também são atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015. 

O entendimento equivocado dos Puri terem sido considerados extintos, ocorreu porque o Estado brasileiro, no início da República, passou a invisibilizá-los. Somente em 2010, o censo promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conseguiu identificar a existência deste povo e registrou 675 Puri.  

Originários da região sudeste do Brasil, eles se dividiam por quatro estados: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos últimos anos eles passaram a buscar o reconhecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e se organizar em torno do “Ressurgência Puri”, movimento que os ajuda a contar toda a história de resistência de seu povo. 

Os Puri resistiram e sobreviveram, mas muitos já não sabiam mais sobre sua própria história ou até mesmo sua língua mãe. Agora lutam para serem reconhecidos e reparados. Em paralelo a isso, lutam também para reconstruir sua própria memória.  

Com muita pesquisa sobre sua história, os Puri passaram a querer saber mais sobre seus territórios, lendas, rezas, cantos por meio de um resgate da própria língua, trabalho árduo que tem dado bons frutos: vários livros/dicionários foram escritos para que a língua seja aprendida e passe a ser usada. 

Reconhecimento 

Segundo a Deuáma Meire Mniamá Puri, liderança na luta pelo reconhecimento de direitos do povo indígena Puri na região do Leste de Minas, a Ressurgência Puri é um movimento que vem lutando para provar e promover sua existência e seu direito de existir. (Deuáma = Cacica)

“Seja como for, estaremos sempre resistindo pela continuidade da vida em todas as dimensões, porque nós jamais deixaremos de lutar pela nossa existência, pelo direito de resistência e existência, seja qual forma for, porque ainda existe o povo Puri, a etnia Puri”, afirma. 

A líder indígena ainda explica porque o surgimento deste movimento é tão importante para história recente de seu povo. “O povo luta para a sobrevivência, por isso a importância do movimento de Ressurgimento Puri, esse movimento no qual nos ajuda a contar toda a história de resistência de um povo que vem lutando para sua existência, por seu direito de existir, por seu direito de estar na escola, por seu direito de trabalhar, por seu direito de buscar os seus direitos dentro da Convenção 169, dentro da Constituição”, assegura. 

Maria José (Marú Orutum Puri), liderança indígena Puri em Resplendor, também refletiu sobre o reconhecimento, o respeito ao seu povo e o direito à cultura que está sendo negado, principalmente após o rompimento da Barragem de Fundão. 

“Nossas dificuldades no autorreconhecimento não têm mais problema não, já fomos reconhecidos pelos nossos parentes. O que queremos, em nosso dia a dia, é sermos respeitados, pois aí fora há falta de respeito com todos e somos ignorados por muitos, como foi com os nossos ancestrais. É importante a luta pelos direitos porque tudo que tínhamos foi tirado: o direito de pescar, tomar o nosso banho em rio, fazermos o nosso lazer, que era fazer o que a gente mais gostava, e até mesmo a nossa cultura. Isto foi tirado do nosso povo, sem dó nem piedade. Essas empresas sabem sobre o risco de todos nós, há anos que estamos correndo atrás dos nossos recursos, que é esta reparação, recorrendo em prol dos danos causados ao nosso povo até hoje. Não posso mais usar as ervas para fazer o nosso chá e garrafadas porque a nossa água ainda continua contaminada”, explica. 

Decisão judicial

Além disso, outra batalha por reconhecimento se tornou uma vitória importante para os Puri, quando o Dr. Michael Procópio, juiz substituto da 4ª vara cível e agrária da seção judiciária de Belo Horizonte, proferiu decisão judicial no último dia 17 de fevereiro deste ano, reconhecendo que o povo Puri deve ser atendido pela perícia socioeconômica realizada no âmbito do caso do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco.

Anteriormente, a Fundação Renova havia negado o reconhecimento e desqualificou o Movimento Ressurgência. Com a decisão, os Puri conquistam o direito a tratamento específico enquanto povo indígena que está retomando modos de vida, cultura e cosmovisão. Veja abaixo como o juiz do caso entendeu a questão:

“O fato de o território de Aimorés estar abrangido no TTAC e ser beneficiado por programas desenvolvidos pela Fundação Renova não afasta a necessidade de promover esclarecimentos sobre determinada comunidade tradicional que resida naquela localidade, sendo necessário desenvolver amplo diagnóstico a fim de perquirir se existe um componente indígena a ser delineado em meio aos Puri que reclama tratamento específico no âmbito do denominado Caso Samarco, por questão de isonomia com as pessoas em igualdade de condições nas demais localidades, além do tratamento jurídico diferenciado, em relação à população de Aimorés e Resplendor, no ordenamento jurídico brasileiro, aos povos originários”. O documento da decisão pode ser lido na íntegra clicando aqui.

Protocolo 

Em 2023, as histórias dos Puri e da Aedas se encontram com a chegada da Assessoria Técnica Independente ao Rio Doce (Nhãmatuza Orum Butã). No município de Aimorés, por exemplo, junto com os povos indígenas da etnia Puri – ( Uchô Betlháro Puri ), de Aimorés, a Aedas realizará a construção do Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada, conforme a determinação da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Constituição Federal/1988 e de diversos marcos normativos que servirá de base para todas as atividades realizadas com a comunidade tradicional junto à Aedas.  

Após o protocolo, a ATI prestará apoio ao povo Puri para a conquista da equipe de Assessoria Técnica Independente própria, se assim for o seu desejo, mediante as especificidades da comunidade em questão. 

Texto: Mariana Duarte