60 Jóias Mulheres foram vítimas fatais do rompimento da Vale em Brumadinho
Em 25 de janeiro de 2019, quando a barragem Mina Córrego do Feijão, da Vale, se rompeu em Brumadinho, deixou 272 vítimas fatais. Destas vítimas, 60 eram mulheres, entre crianças, jovens, adultas e uma nascituro. Os 212 homens também deixaram mães, esposas e filhas em luto até hoje. Neste dia 08 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) presta sua solidariedade e disposição enquanto assessoria técnica independente atuante em Brumadinho.
Organizadas e firmes no anseio por reparação e justiça, familiares das vítimas passaram do luto à luta e criaram a Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão), que tem como objetivo central lutar pela defesa de todos os direitos e interesses dos que sofreram com a morte de seus entes queridos.

Com uma diretoria composta por 11 integrantes, 9 delas são mulheres, o que evidencia o protagonismo das mulheres em várias frentes de luta pela reparação em Brumadinho. Natália Oliveira, professora de educação infantil, compõe essa diretoria como 2ª Tesoureira, e é irmã de Lecilda de Oliveira, “uma das 11 jóias ainda não encontradas do crime da Vale”, como ela mesma define.
Nascida e criada em Brumadinho, Natalia recorda que em 25 de janeiro de 2019 estava em casa, assistindo a uma série, quando recebeu mensagens que mudaram de vez a sua vida e a da cidade. As tentativas de contato com a irmã ficaram “apenas com um risquinho”, sinal de que não estavam sendo recebidas nem lidas.
Mãe de dois filhos e aposentada, a analista de sistema Lecilda de Oliveira trabalhava há 28 anos na Vale, desde quando a mineradora se chamava Ferteco. Mesmo após a aposentadoria, continuou trabalhando pelo afeto que tinha à rotina profissional e à empresa, da qual tinha tanto orgulho.
“O sentimento que eu tenho é que para a Vale, minha irmã é apenas um número, uma pessoa nessa tragédia. Ela não era especial para a Vale, mesmo a Vale sendo tão especial para ela e isso eu nunca vou perdoar”, lamenta Natália com indignação.

“Calma, que vamos ter notícias”, disse Natalia, que aguarda respostas há mais de 700 dias. “A Vale nunca me ligou, nem para mim, nem para ninguém da minha família”, afirma indignada. Na medida em que as listas com nomes das vítimas eram divulgadas, deu-se início a uma série de visitas à estação de reconhecimento.
“Saíam listas duas vezes ao dia e todo dia era aquela expectativa. A gente demorou muito para acreditar que as pessoas tinham morrido, porque quem está desaparecido, vai aparecer”.
Depois daquilo, corpos eram identificados através de exames de DNA e laudos emitidos pelo Instituto Médico Legal (IML). “Demorou a cair a ficha, a gente tinha muita fé, a gente clamava por um milagre”. Mas, aos poucos, começaram os sepultamentos em Brumadinho. Em uma visita ao cemitério, ela lembra ter visto várias covas abertas. “Foi aí que entendi a dimensão da tragédia”, conta Natalia.
Com esperança, Natalia acredita que o corpo da sua irmã ainda será encontrado e tem fé de que nada terá sido em vão. “Nunca irei esquecer e não vou deixar as esquecerem, as pessoas que morreram eram tão especiais, que tem que haver um sentido maior nisso tudo, tem que ser para que a Vale aprenda a respeitar a vida, que sirva de aprendizado. Estamos pagando um preço muito alto, mas, se for para salvar outras vidas, é uma forma de honrar a morte dos nossos”.
MEDIDAS EMERGENCIAIS
O contexto de um desastre sociotecnológico da dimensão do que houve na Bacia do Paraopeba, é marcado pela intensificação de situações de stress, traumas, medos, abuso no consumo de álcool e drogas ilícitas, assim como por maiores dificuldades e dependências emocionais e financeiras, dentre outros impactos vivenciados pelas famílias atingidas, agravando principalmente a situação de vulnerabilidade social imposta às mulheres.

A equipe da Aedas de monitoramento de gênero, ao analisar informações e dados levantados por meio do Registro Familiar (RF) consegue destacar alguns danos. O Registro Familiar tem como principal objetivo o conhecimento, a aproximação e o entendimento das demandas iniciais das comunidades. É um levantamento de dados e danos que dá início a uma caracterização e acompanhamento desses Núcleos Familiares. Ele serve também como ponto de partida para a inclusão das famílias no trabalho da Aedas.
Nos danos relacionados ao impacto socioambiental, 97% das mulheres familiares da Avabrum nos Registros Familiares da Aedas relataram que foram alto, muito alto ou médio. Todas as mulheres que realizaram o RF até agora, relatam que os danos ao meio ambiente foram alto ou muito alto.
Bruna Aleixo, da equipe de Monitoramento de Gênero da Aedas, informa que os dados relacionados aos danos causados no quesito Economia, Trabalho e Renda também são muito expressivos. “92% das mulheres referência nos Registros Familiares da Aedas em Brumadinho, disseram que tiveram impacto em suas vidas, havendo, inclusive, diminuição da renda, falta de emprego, e dificuldade de trabalhar. Esse é um dado ainda mais complexo, se considerarmos as mulheres em trabalho informal, ou sem remuneração direta, como o trabalho doméstico, de cuidado, e de pequenas produções para consumo da casa”, relata a assessora técnica, afirmando que é possível verificar um agravamento da precariedade de mão-de-obra feminina destinadas às mulheres após o rompimento.
Existem fortes indícios de que o desastre sociotecnológico foi responsável por gestar uma série de situações que colocam em risco o bem-estar e a qualidade de vida das atingidas. “Na saúde, esse dado é ainda mais profundo”, alerta a monitora de gênero da Aedas, Gessica Santana. A assessora relata que as equipes acolheram muitos relatos de adoecimento mental, fragilidade emocional, agravamento de doenças preexistentes, doenças de pele, intestinais, respiratórios e tantos outros, onde 97% dessas mulheres classificam como um dano muito alto, alto e médio. “Para os Familiares de Vítimas Fatais esse dado é ainda mais forte, todas as mulheres que realizaram o RF até agora, descrevem como muito alto e alto os impactos de saúde em suas vidas e de seus familiares”, afirma Gessica.
Os espaços participativos da Aedas possibilitaram a sistematização da Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais, documento que contém propostas das pessoas atingidas acerca de medidas que devem ser solucionadas com urgência. Entre elas, foi destacada a criação e ampliação de espaços formativos voltados para o combate à violência contra as mulheres, que possam contribuir para mitigar a vulnerabilidade a que estão submetidas, contribuindo para proteção à integridade e à vida das mulheres.
A Matriz destaca a necessidade de garantia ao acesso às medidas por familiares de vítimas fatais. Mesmo que não residam em Brumadinho o acesso deve ser possibilitado pela poluidora pagadora Vale em seus locais de moradia.
São propostas como a criação e ampliação de espaços formativos acerca de Políticas Públicas de combate à violência contra as Mulheres, incluindo cursos e oficinas sobre Comunicação Não Violenta, defesa pessoal, com ampla participação das mulheres para que se apropriem de seus direitos no âmbito da sociedade, tanto no domínio doméstico quanto no público. A ideia é que os espaços contemplem também os homens, como meio a educá-los a exercer comportamentos não violentos.