O dia 25 de julho é reconhecido por demarcar a luta das mulheres negras contra todas as formas de desigualdade e opressão desde 1992 onde no 1° Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas presencia-se o ato histórico da criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e a definição do 25 de julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha.

No Brasil a lei nº 12.987/2014 torna a data como o dia Nacional de Teresa de Benguela líder quilombola que durante o século XVIII comandou o Quilombo do Quariterê (a atual fronteira entre Mato Grosso e Bolívia) resistindo ao sistema escravocrata, e abrigando cerca de cem negros e indígenas naquela região.

Demarcar essa data no Brasil é fundamental uma vez que ainda hoje as mulheres negras lideram os índices de desigualdade no acesso à educação, saúde, moradia digna e demais direitos fundamentais. E por esse motivo que na luta contra as desigualdades se reivindica o Bem-Viver como um desejo a ser alcançado por essas mulheres, a Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e Pelo Bem Viver, realizada no dia 18 de novembro de 2015, traduz essas reivindicações e lança a necessidade de falarmos sobre o Bem Viver.

O Bem Viver por sua vez pode ser traduzido como um anseio global daquelas e daqueles que questionam o atual modelo de desenvolvimento baseado em um racismo ambiental que vai na direção contraria da preservação da natureza, valorização dos conhecimentos ancestrais, de um modo de vida harmônico onde o ser humano também faz parte dessa natureza como um todo; e que, portanto, precisa se desenvolver junto a ela.

Mulheres e o contexto de trabalho remunerado e não remunerado.

De acordo com o IBGE (2018), as mulheres destinam em média, 21,4 horas semanais às atividades domésticas e de cuidados, enquanto os homens destinam cerca de 11 horas e, 92,1% das mulheres brasileiras realizam afazeres domésticos, contra 78,2% dos homens. Portanto, quando se considera o trabalho remunerado e não remunerado, as mulheres trabalham mais horas do que os homens. No Brasil, em 2016, as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos cerca de 73% a mais de horas do que os homens (18,1 horas contra 10,5 horas).

O recorte por cor ou raça indica que as mulheres pretas ou pardas são as que mais se dedicam aos cuidados de pessoas e/ou aos afazeres domésticos, com o registro de 18,6 horas semanais em 2016. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do IBGE, as mulheres trabalhadoras negras foram as mais prejudicadas no mercado de trabalho brasileiro. A força de trabalho feminina caiu de 47,5 milhões em 2019 para 46,4 milhões em 2021, com respectivamente 6,8 milhões e 7,4 milhões de mulheres desocupadas em 2019 e 2021.

O número de desempregadas negras deu um salto: passou de 4,4 milhões em 2019 para 7,3 milhões em 2021. A pesquisa revela que a desigualdade brasileira tem gênero e cor. São as mulheres, e entre elas especialmente as negras, que sofrem as maiores consequências. Análise específica sobre as mulheres ocupadas revela que, em 2021, havia 1,6 milhão de mulheres a menos trabalhando no país, das quais 1,2 milhão negras e 466 mil não negras.

Por outro lado, o representante feminino de desocupadas, ou que buscou colocação no mercado de trabalho em 2021, aumentou em relação a 2019: 564 mil mulheres a mais procuraram uma vaga, das quais 285 mil eram negras e 277 mil, não negras. Nos trimestres analisados, a taxa de desocupação feminina aumentou entre 2019 e 2021, de 14,3% para 15,9%. E não só o emprego foi perdido, elas perderam também renda, ocupando o nível mais baixo da pirâmide salarial do país. O estudo revelou que em 2021 as mulheres negras receberam em média apenas 55% da hora trabalhada de um homem branco.  

Na luta pela Reparação Justa e Integral no contexto do desastre socioambiental e rompimento da barragem do Córrego do Feijão as mulheres negras são maioria entre a população atingida e protagonistas nos espaços de participação política. Um dossiê que se encontra em construção pela Equipe de Monitoramento de Gênero da AEDAS apresenta o perfil das mulheres atingidas nas regiões 1 e 2.

Os dados demonstram que 51,2% dos indivíduos atingidos são mulheres e 48,8% são homens na região 1; enquanto na região 2; 52,7% são mulheres e 48,3% são homens. Destas mulheres a maioria se autodeclaram negras na região 1 e 2 com 64% e 65% respectivamente. Segundo os dados coletados pela AEDAS e sistematizados no RF, as mulheres também são a maioria das referências familiares e se destacam na participação dos GAAS (Grupo de Atingidos e Atingidas) e RDs (Rodas de diálogo) nas duas regiões. No que se refere à colocação destas mulheres no mercado de trabalho são elas: funcionárias públicas, trabalhadoras do setor privado, domésticas, terceiro setor e autônomas ou trabalham no mercado informal, com destaque para as ocupações como autônomas ou mercado informal e postos de trabalho relacionados à limpeza (faxineiras, lavadeiras, diaristas, domésticas e serviços gerais), porém a ampla maioria encontra-se desempregada ou exercendo trabalhos não reconhecidos e remunerados de forma injusta.

Trabalho e geração de renda.

Ainda sobre a perspectiva do impacto na geração de renda e trabalho dessas mulheres atingidas, quase 25,3% dessas mulheres procuraram emprego pós rompimento da Barragem de Brumadinho. Nas Comunidades Quilombolas esse número sobe para 29,9%, quase 30% das mulheres. Na região 2, no município de Betim, esse percentual é de 26,97%, em Juatuba são 25,22% mulheres buscando emprego, e 24,4% em São Joaquim de Bicas e Mario Campos. Somada a questão da vulnerabilidade da mulher no mercado de trabalho, observa-se o perfil de escolarização, onde na região 1, de modo geral podemos trazer que os menores números de mulheres frequentantes do ensino fundamental, médio e superior estão nas comunidades rurais e quilombolas.

Mulheres atingidas e educação.

Nas comunidades rurais de Brumadinho apenas 13,5%; 5,8% e 4,4% são frequentantes do ensino fundamental, médio e superior e nas comunidades quilombolas estes percentuais são 23,32%; 9,87% e 1,79% frequentando os mesmos níveis escolares. Evidenciando a vulnerabilidade destas mulheres no acesso à escolarização e consequentemente à melhores postos de trabalho. Na região 2, com dados que representam todos os municípios, temos que as mulheres cursando o ensino fundamental, médio e superior são 15,76%; 10,68% e 8,2% respectivamente; enquanto as não frequentantes para os níveis fundamental e médio são 26,24% e 24,58%. Fica destacado como as consequências do rompimento aprofundaram as dificuldades materiais das mulheres, levando a interrupção dos estudos e aumentado o desemprego entre as atingidas. 

Isso demonstra o quanto uma reparação justa e integral precisa considerar as especificidades enfrentadas pelas mulheres negras nesse processo, e o quanto o desastre sociotecnologico agravou as desigualdades sociais por elas enfrentadas. Como protagonistas dessa luta as mulheres atingidas reforçam que sem o respeito a dignidade das mulheres não há reparação! O Bem Viver precisa de uma reparação justa e integral para existir!

REFERÊNCIAS:

AUTOR, Outro et al. Boletim Diário MCTI de 08 de março de 2022: especial mulheres. 2022.

IBGE. Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil, 2018.

IBGE. Em média, mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. 2020.

PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS CONTÍNUA – PNAD CONTÍNUA – Principal destaques da evolução do mercado de trabalho no Brasil. 2012-2021. https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Principais_destaques_PNAD_continua/2012_2021/PNAD_continua_retrospectiva_2012_2021.pdf. Acesso em: 18 de julho 2022.

MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB, Rio de Janeiro, n. 5, p. 15-34, 2003.