Quilombo Sanhudo: pela memória e luta contra a mineração no Tejuco

ENTREVISTA: Evandro França de Paula, o Vandeco, quilombola do Tejuco, comenta sobre as raízes na comunidade, que há décadas tem sua paisagem alterada pela mineração

Comunidade do Tejuco, inserida na Zona Quente, sofre os impactos da mineração no território, que foram agravados com o rompimento | Foto: Diego Cota/Aedas

A presença de quilombolas no território do Tejuco, em Brumadinho, remonta uma história de mais de 300 anos, perpassando pela história da comunidade, desde o tempo de abundância de água e de belas paisagens naturais até os dias de hoje, com o convívio diário com as consequências negativas provocadas pelas mineradoras que exploram a região.

O Vozes do Paraopeba conversou com o quilombola Evandro França, do Quilombo Sanhudo, que, em janeiro, foi certificado pela Fundação Cultural Palmares. O reconhecimento é um fator que se soma à luta na resistência contra o avanço da mineração. A conquista teve o apoio técnico da Aedas e dos mandatos das deputadas Célia Xakriabá e Bella Gonçalves.

– Vandeco, como foi a sua infância aqui no Tejuco?

Evandro França. Minha infância foi muito gostosa. Aquilo lá que era infância! Antes o Tejuco não era asfaltado, a gente brincava em qualquer lugar. Onde é o Parque da Cachoeira era uma fazenda e a gente saia daqui para brincar lá, fazia natação, lá era muito cheio de pé de goiaba, que a gente catava para fazer doce. Então, era saúde! Não tinha mineração. O que a gente vive hoje e vê na infância desses meninos, desanima.

Evandro França, o Vandeco | Foto: Felipe Cunha/Aedas

– O que mudou nesse território nas últimas décadas?

E.F – Se olharmos antes, no passado, as nossas serras eram um meio ambiente vivo, tinha vários tipos de animais. Hoje você a vê toda destruída e a comunidade também. Então, parece que estamos em uma guerra.

Quando eu olho lá atras, todo lado que olhava via o verde, era a natureza, era a brincadeira sadia que a gente tinha. Hoje, quando você acorda está no meio desse pandemônio danado. É a mineração destruindo tudo, é máquina gritando na nossa orelha, é sirene todo santo dia.

– Quais violações a mineração trouxe para o modo de vida de vocês?

E.F – Violação? Praticamente todas. Antes a gente cultivava e tinha plantações. Aqui onde eu estou era uma horta. A gente plantava para comer e para vender, a gente vivia disso. Hoje a gente tem praticamente um agricultor que está com os dias contados. A agricultura aqui não vai, mas minério vai. É assustador. Você vê a agricultura perdendo o seu espaço e a mineração crescendo cada dia mais, avançando com uma velocidade desenfreada.

Mineração altera de forma significativa a paisagem da região | Foto: Diego Cota/Aedas

– Como teve início o movimento para reconhecer a comunidade enquanto quilombo?

E.F – Até então ninguém sabia o que era, o que significava ser quilombo e o que isso poderia nos beneficiar. Aí foi através da própria Aedas, que trouxe essa informação pra nós, que começamos a buscar esse reconhecimento. Hoje acho que vai vir bem a calhar, porque estamos sendo violados de todas as formas.

E não só por causa disso, o registro que a gente deixou de entender que era a nossa raiz, a nossa árvore genealógica, que até então a gente não se dava conta. Tem irmão que a gente ficou vários anos sem se ver. Então, com isso trouxe essa alegria também, de a gente se juntar de novo, se abraçar, lembrar do passado e da nossa vivência.

– Quais são as expectativas a partir da formalização enquanto comunidade tradicional?

E.F – A minha expectativa é de termos os nossos direitos reconhecidos enquanto cidadãos, como sendo um Quilombo, uma Comunidade Tradicional. Eu acho que só pela idade já valeria a pena, mas tudo hoje a gente precisa de um documento, porque a gente está falando é de 300 anos, não é de 30.

A minha expectativa é essa, não só de ser reconhecido, mas de a gente tentar, por meio político, frear essas mineradoras que estão detonando o Tejuco inteiro, passando por cima de tudo que é direito, passando por cima de tudo que é ordem.

Esse reconhecimento vai somar muito em nossas vidas. Não só no sentido de termos o respeito, que toda comunidade deveria ter, mas também de lembrarmos daquelas coisas gostosas que tinha. Não só para reconhecer, mas para trazer nossas raízes, aflorar aquilo que a gente era, a nossa vivência lá trás.

– Como a Aedas contribuiu nesse processo de busca por reconhecimento?

E.F – A Aedas foi muito importante. Se não fosse ela, a gente não iria saber o que é ser quilombo. Até então, se não fosse a assessoria estaríamos perdidos, não saberíamos nem pra que lado ir. A Aedas veio para somar, não só na nossa comunidade, mas em todas as comunidades.

– Como você vê a importância desse reconhecimento dentro do contexto minerário?

E.F – Hoje, o avanço dessas mineradoras está tão desenfreado. Elas já chegam amarradas com aqueles que poderiam estar segurando esse avanço. Se falou que é impacto, as mineradoras fazem todos os tipos possíveis.

Elas mineram praticamente dentro da comunidade, aí você tem impacto auditivo, visual e para a respiração. Então é impacto em tudo que você pensar. Uma mineradora que praticamente não preza a saúde moral e saúde mental da comunidade.

Nós aqui do Tejuco estamos praticamente cercados pelas mineradoras e eles querem praticamente expulsar nós da comunidade para minerar o Tejuco inteiro. Eu acho que a gente tem que bater muito em cima dessa tecla ‘Mineração, chega! Já deu’.

Nós negros estamos correndo atrás dos nossos espaços, querendo ou não querendo, é direito nosso. É melhor eles – os que detêm o poder – acordarem, porque tem muitos tradicionais, muitos negros, o Brasil é praticamente negro. Então é bom eles acordarem, porque nós já acordamos e estamos correndo atrás dos nossos direitos.

– O que significa esse território, o Tejuco, para sua história?

E.F – Aqui está enterrado meu bisavô, meu avô, minha mãe, meu pai, meu irmão e aqui vai eu. Daqui não tem dinheiro que me compre esse legado, tão sofrido e ao mesmo tempo tão gostoso. As duas coisas andando junto. É você chorar de alegria e chorar de dor. Será que tem dinheiro que compra isso? Não pode ter.

Texto: Diego Cota