Protocolo de saúde específico para pessoas atingidas é proposto na 2ª Conferência Livre dos Atingidos e Atingidas
Proposta prevê tratamento específicos no SUS para pessoas que vivem em áreas contaminadas

Mais de 160 pessoas atingidas participaram da 2ª Conferência Livre de Saúde dos Atingidos e Atingidas do Brasil. Realizado em Betim (MG), o evento trouxe como pauta “A Saúde das pessoas atingidas: Viver em ambiente contaminado” e aprovou propostas para a saúde pública em nível estadual e nacional. A conferência contou com a participação de pessoas de 13 municípios da Bacia do Rio Paraopeba.
A conferência começou com 1 minuto de silêncio em homenagem às 272 vítimas fatais do rompimento da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Em seguida, foram apresentados cartazes com denúncias e dados sobre danos à população e a situação da água do Rio Paraopeba. Nas denúncias escritas, foram citados dados identificados em estudos realizados por consultorias especializadas pela Aedas, incluindo informações que apontam a presença de metais pesados na água para consumo residencial.






Insegurança deixa marcas no corpo
Foram muitas as queixas sobre o atendimento público em saúde e a necessidade de acompanhamento médico, exames e consultas após o rompimento. Uma delas foi trazida por Andelha Sofia, diarista atingida da comunidade Ponte Nova, município de Juatuba. Desde 2020 ela sente na pele o medo e insegurança pela contaminação.
Andelha Safira sofre com coceiras intensas na perna. Com o passar do tempo, uma mancha esbranquiçada apareceu no local.
“Eu luto contra isso desde 2020 em um centro especializado em Juatuba. Tem vários exames que eu tenho guardado, relatório na minha pasta de documento, que não consta nada no meu corpo, no meu sangue. É uma coceira insuportável. Eu não consigo dormir direito, eu não tenho uma vida direita”, lamentou a atingida.
A diarista mora próximo às margens do Rio Paraopeba. Ela desconfia dos resultados dos exames e quer que sua saúde seja investigada com mais cuidado. Para ela, e muitas outras pessoas atingidas, a saúde é uma prioridade nas ações de reparação.
“A gente tem que fazer um coletivo de união, como um formigueiro, sem deixar de lutar pelos nossos direitos. Deixar de lado um pouco a área do dinheiro, mas sim da saúde. Pode chegar essa indenização e eu nem tá viva ainda, porque eu não sei o que vai acontecer comigo, que há quatro anos estou sofrendo”, afirmou Andelha.

Protocolo especializado para atingidos no SUS
Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) não possui um protocolo específico para pessoas atingidas por contaminação de grandes empreendimentos, a exemplo do rompimento da barragem de minério em Brumadinho.
A busca por exames que tragam um diagnóstico mais preciso acaba ficando mais difícil e muitas vezes mais cara. Para enfrentar esse problema, a proposta dos atingidos, levantada na Conferência Livre de Saúde, é uma articulação – dentro do SUS – que receba essas demandas específicas dos atingidos.
José Geraldo, do Movimento de Atingidos por Barragem (MAB), explicou sobre como essa proposta de política pública de saúde se daria na prática e de onde viria o financiamento para sua implementação.

“Um protocolo de atendimento para pessoas que vivem áreas contaminadas, que dê acesso a exames e tratamentos especializados para os casos das pessoas onde já foi detectada a presença de metais acima do limite máximo permitido. E que esse custo a mais, esses exames especializados e esse atendimento especializado, seja custeado pela poluidora pagadora, que no caso do Paraopeba é a Vale”, pontuou.
“Nós queremos que os atingidos tenham acesso a um tratamento especializado, com médico especializado, seja ele um neurologista, um nefrologista, um dermatologista, o que precisar. Os exames caros, que normalmente o Município não tem condição de fazer, que eles sejam feitos também, porque o atingido precisa saber como é que está o fígado, como é que estão os rins, o coração e etc. Para fazer isso nós precisamos que exista um protocolo”, completou Geraldo.
Recursos do acordo para os municípios
Durante a Conferência, as pessoas atingidas lembraram dos recursos previstos no Acordo Judicial destinadas à saúde nos municípios.
Os projetos para a Bacia do Paraopeba (Anexo I.3) e os Projetos para Brumadinho (Anexo I.4) fazem parte do Programa de Reparação Socioeconômica do Acordo Judicial. Esses anexos são de obrigação de fazer da Vale e contemplam iniciativas voltadas para o fortalecimento dos serviços públicos em Brumadinho e nos demais 25 municípios atingidos da Bacia do Paraopeba. A saúde, enquanto política pública, também é contemplada nesses anexos.

Em suas falas, os atingidos e atingidas cobraram mais transparência e retorno do Poder Público sobre o que está sendo feito para a saúde com os recursos do acordo.
Falta de respostas da CPI da lama
Os danos causados pelas enchentes no Rio Paraopeba, em especial ao grave cenário de janeiro de 2022, também foram citados na conferência. Uma das reclamações dos atingidos e atingidas diz respeito à ausência de retorno após as Comissões Parlamentares (CPIs). Muitos atingidos alegaram não terem sido informados sobre esses levantamentos feitos por Câmaras de Vereadores.
Ciranda entrega Carta Unificada



A Conferência contou com o apoio da equipe de Ciranda da Aedas Paraopeba. Durante todo o dia, os meninos e meninas fizeram desenhos e ouviram uma história cujos personagens principais se organizaram para a conquistas de direitos. O resultado da dinâmica foi a construção de uma Carta Unificada das Crianças Atingidas. A carta foi feita à mão e contou com mensagens dos meninos e meninas presentes e com colagens e desenhos.
Por reunir olhares e sentimentos das crianças sobre o rompimento e os danos à saúde, a carta recebeu caráter de documento e foi entregue aos conselheiros eleitos pela Conferência para que seja compartilhada nas etapas estadual e nacional.

Saúde e segurança alimentar
Com a contaminação do Rio Paraopeba, a fonte de renda de alimento advinda do peixe foi diretamente afetada. Para muitas famílias, a fonte de proteína animal, que antes vinha do peixe, foi substituída por frango, ovos e outras fontes. Um estudo feito pela Aedas trouxe dados sobre os impactos na pesca no território (clique aqui para acessar o estudo).

Conferências de Saúde
As conferências livres de Saúde são espaços organizados pela sociedade civil e servem de preparação para a 17ª Conferência Nacional de Saúde. Nessas conferências, a população pode formular respostas para os problemas enfrentados em seus territórios.
As conferências seguem dos territórios, das proposições em saúde local, para a discussão de saúde nacional. Em 2023, a Conferência Nacional de Saúde tem como tema “Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã vai ser outro dia”
As etapas das conferências:
1ª etapa: Conferências Municipais e Livres
2ª etapa: Conferência Estadual
3ª etapa: Conferência Nacional
Nos dias 23 e 24 de março, o movimento Paraopeba Participa também promoveu a 1º Conferência Livre de Saúde dos atingidos da Bacia do Paraopeba, que reuniu propostas específicas para a população atingida pelo rompimento.
Texto: Valmir Macêdo