14 de março: Atingidos da Bacia do Paraopeba protestam contra fim do PTR e violação de direitos
Ato reivindica a continuidade do PTR e das ATIs, a aplicação da PNAB e celeridade na liquidação coletiva dos danos e no Anexo I.1.

No Dia Internacional de Luta contra as Barragens, em Defesa dos Rios e da Vida, celebrado em 14 de março, cerca de mil pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019 em Brumadinho, realizam uma jornada de mobilização com o lema “Lei dos Atingidos aplicar para a reparação avançar!”. O ato foi organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e aconteceu em Belo Horizonte com a participação das 5 regiões da Bacia do Paraopeba.
A manifestação teve como principais objetivos:
- Garantir a continuidade do Programa de Transferência de Renda (PTR) ou a implementação de um novo auxílio emergencial;
- Assegurar a atuação das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), essenciais para o processo de reparação dos atingidos;
- Exigir o recebimento das indenizações individuais no processo da liquidação coletiva e a liberação de recursos para que as ATIs possam seguir assessorando as pessoas atingidas pelo Plano de Trabalho do processo;
- Exigir a aplicação imediata da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
A jornada de luta incluiu uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e uma marcha até o Fórum Cível e Fazendário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), onde houve uma reunião com o juiz responsável pelo caso.
Participação é direito

A falta de participação da população atingida nos Acordos de Reparação tem resultado na definição de prazos curtos para programas de auxílio, comprometendo a garantia de uma reparação integral.
Diante da impunidade e das tentativas de retirada de direitos, as pessoas atingidas seguem resistindo e exigindo justiça. O ato desta sexta-feira representou mais um passo nessa luta por dignidade e reparação.
As mobilizações do 14 de março ocorreram em diversas regiões do país. Na Bacia do Paraopeba, cerca de 1000 atingidos das cinco regiões participaram do ato, dando continuidade à jornada de lutas iniciada em janeiro.
Audiência Pública debate fim do PTR

Às 10h da manhã, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) organizou uma audiência, solicitada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), em atendimento à demanda do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), para discutir a redução e encerramento dos pagamentos do Programa de Transferência de Renda (PTR).
O encerramento do PTR é criticado pela deputada Beatriz Cerqueira, que considera que os atingidos ainda não receberam uma reparação definitiva, mais de cinco anos após o rompimento da barragem.

Na mesa e no telão: Valéria Carneiro, Assentamento Pastorinhas, Brumadinho
Valéria Carneiro, do Assentamento Pastorinhas, em Brumadinho, estava presente na audiência e falou da luta das mulheres atingidas: “Nós mulheres seguimos sendo massacradas por um sistema que segue sendo colonial e nos cala e nos silencia a todo momento (…) O tempo cronológico do Acordo não é o tempo cronológico humano, das nossas reparações, isso não chegou. O tempo de reparação ali, que seria o Anexo I.1 (projeto de demanda das comunidades atingidas e linhas de crédito e microcrédito), não se casou com o fim do PTR, e nós precisamos sobreviver (…) Eu só tenho que dizer uma coisa: nada pára a força da mulher na luta, nada pára as mulheres, mulheres unidas”.

Qual o preço de um rio, de uma montanha, de uma serra? Perguntou João Luiz Moreira Índio, Representante do Povo Indígena Aranã: “Usufruíamos de um rio com nome de Paraopeba, ali pescávamos, éramos felizes. Até que um dia veio um mar de lama que impossibilitou nossos rituais nossa cultura, pescar. Encheram o rio de placa de proibido pescar, proibido nadar. Pergunto a todos: qual o preço de um rio? Qual o preço de uma montanha? Qual o preço de uma vida?”.

Joelísia Feitosa, liderança atingida de Juatuba
Joelísia Feitosa, liderança atingida de Juatuba, disse que apesar das violações de direitos, seguem firmes na luta: “A população atingida tem realizado um trabalho de parceria e união, mas não aguentamos mais ser pisoteados. O povo está aqui registrando sua indignação (…) não estamos pedindo esmola, nos foi tirado o direito ao trabalho, o direito à pesca, o direito à sobrevivência. O PTR veio reduzido, e teve gente que não conseguiu colocar comida na mesa este mês. Não estamos tendo acesso ao mínimo necessário para sobreviver: à água, ao cultivo, ao básico de dignidade. O mínimo que esperamos é que as instituições de justiça cumpram seu dever, porque legislação nós temos”.

Kasuteme Bakise Mona Ixi. Foto: Luiz Santana/ALMG
O representante dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) da Região 2, Kasuteme Bakise Mona Ixi, da Associação Cultural e Tradicional de Matriz Africana Bakise Mona Ixi, em Mateus Leme, reforçou as reivindicações dessas comunidades pelo acesso ao PTR: “Represento o PCTRAMA da Região 2 e venho defender nosso direito de acessar o PTR. O crime cometido pela Vale alterou drasticamente nosso estilo de vida, impactando profundamente as comunidades tradicionais de matriz africana. Além de agredir o sagrado, esse crime coloca em risco o futuro de nossas tradições. Não entendemos por que ainda não tivemos acesso ao PTR, mesmo havendo previsão legal para isso”.

Maria Santana, atingida de São Joaquim de Bicas, ressaltou a relação entre a questão socioambiental e o PTR, afirmando: “O atingido gasta o dinheiro do PTR com remédio por causa das contaminações (…) No sangue dos atingidos, há produtos contaminantes da Vale. A Vale mata e assassina brutalmente o povo. O socioambiental precisa ser reparado, e a ATI deve continuar até que essa reparação aconteça. Eles são nosso único alento, estão lá junto com os atingidos. Quando não estamos na farmácia, estamos com as ATIs, e o PTR não cobre remédios de 800 reais”.

Ranúzia Netta, Gerente Geral do Eixo de Reparação da Aedas, trouxe alguns pontos sobre as demandas dos atingidos das regiões 1 e 2: “Uma das demandas recorrentes das pessoas atingidas tem sido a transparência sobre os recursos dos anexos I.3 e I.4, bem como a implementação dos projetos nos territórios atingidos. Outra questão que gostaria de destacar, agora centralizando a discussão em relação ao anexo I.2, o PTR, é que, em 2024, a Aedas atendeu mais de 1300 registros com questionamentos, dúvidas e reclamações sobre a gestão ou a resposta do PTR. Esses registros são encaminhados conforme as solicitações das pessoas atingidas, geralmente em formato de ofício, sendo que algumas não possuem um encaminhamento concreto. (…) É importante destacar que a redução do programa já começou, o que foi evidenciado pelas falas das pessoas atingidas, e isso tem impacto nos seus modos de vida e na sua sobrevivência”.
A promotora Shirley Machado de Oliveira, da Promotora de Justiça do MPMG/Cimos, disse que “Hoje fica evidente que esse programa (PTR) é fundamental para que siga sendo possível a vida no território. Isso fica nítido pela fala de vocês, pelas reuniões que fazemos, pelos documentos das assessorias técnicas (…) O que nos cabe é receber todas essas informações para buscar um posicionamento do MPMG sobre isso”.
Para Antônio Lopes de Carvalho Filho, defensor-público e coordenador do Núcleo Estratégico de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise, será preciso pensar em caminhos alternativos para a reparação: “O que precisamos é nos organizar para ver alternativas juridicamente viáveis para que esse programa [PTR], que é tão importante e necessário, tenha sua manutenção (…) o recado das pessoas atingidas foi claro e veio em alto e bom som, a gente precisa da manutenção desse programa porque ele é a reparação mais visível na vida das pessoas”.
Encaminhamentos e requerimentos da Audiência Pública

– Manutenção do PTR integralmente, sendo reconhecido enquanto um direito das comunidades e que, por isso, não pode ser cortado;
– Inclusão imediata dos Povos e Comunidades Tradicionais no PTR;
– Prestação de contas com transparência e explicação dos gastos do Fundo de Estruturas de apoio de 700 milhões previsto no Acordo Judicial.
– Cobrar das IJs explicações sobre o atraso no início do Anexo I.1 e como as ATIs vão atuar no Anexo, como está previsto em edital e na Proposta Definitiva da Entidade Gestora.
– Explicações sobre o atraso no assessoramento das populações atingidas em relação à Liquidação Coletiva das indenizações por danos individuais.
– Requer aos compromitentes, a garantia de que seja cumprida a lei 23.795 de 2021, que define o direito à assessoria técnica independente, escolhida pela população atingida, a ser custeada pelo empreendedor, até que a reparação socioeconômica e socioambiental seja realizada.
– Atualização das cláusulas do Acordo Judicial de Reparação de forma que considere a resolução CNJ 599/24 para garantir que as comunidades quilombolas, por equiparação, comunidades de povos originários e PCTRAMA, sejam devidamente identificadas e incluídas no processo de reparação socioeconômica e ambiental, cumprindo a resolução 169 da OIT, em que a consulta Livre, Prévia e Informada seja efetivamente cumprida diante de toda e qualquer decisão referente aos direitos de reparação previstos no acordo judicial.
– Esclarecimentos quanto as ações e etapas cumpridas, à transparência e participação social no Plano de Recuperação Ambiental a ser custeado pela empresa Vale, atualmente executado pela Arcadis.
– Esclarecimentos quanto ao comunicado, emitido em maio de 2024, que trata da contratação de uma nova entidade para as fazes subsequentes (2, 3 e 4) dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE).
– Requerimento à FGV e Compromitentes, esclarecimentos quanto ao número de pessoas atingidas que tiveram o direito ao PTR reprovado, cujo cadastro no PTR ainda está em apreciação.
– Agendamento, em até 10 dias, de reunião com pessoas atingidas, ATIs e a Comissão de Direitos Humanos.
Marcha dos atingidos e atingidas

Após a Audiência Pública, as pessoas atingidas, acompanhadas pelo MAB, marcharam por 2,5 quilômetros até o Fórum Cível e Fazendário do TJMG, onde ocorria uma reunião com o juiz responsável pelo caso.
Durante o trajeto, entoaram palavras de ordem contra a Vale e em defesa dos direitos garantidos por lei.
Reunião com juiz
No Fórum Cível e Fazendário do TJMG, as pessoas atingidas se reuniram com o juiz Murilo Silvio de Abreu, responsável pelos processos de reparação dos danos decorrentes do rompimento.
“Nessa reunião, após a fala das pessoas atingidas e das Assessorias Técnicas Independentes, o juiz respondeu dizendo que entendia a grande necessidade da continuidade do pagamento do PTR ou de um Auxílio Emergencial para que sejam garantidas as necessidades de vida das pessoas atingidas e para que a lei, a PNAB, seja cumprida”, explicou Nina de Castro, gerente geral do eixo de Diretrizes da Reparação na Aedas.
“Foi um dia de vitória, é importante saber que o juiz está do lado da justiça, está do lado da construção de uma matriz de danos, que reconheça as categorias de danos, que reconheça as pessoas atingidas, porque isso é muito importante para a reparação integral”, completou Nina.
OAB MG se manifesta favorável a novo auxílio emergencial no Paraopeba
No Dia Internacional de Luta dos Atingidos por Barragens, pelas Águas e pela Vida , a Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos e Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG se manifestam pela prorrogação do Programa de Transferência de Renda ou implementação de novo auxílio emergencial no caso Paraopeba.
Na recomendação, publicada nesta sexta-feira (14), a diretoria da OAB MG recomendou ao juízo e às Instituições de Justiça a “Prorrogação do PTR ou instauração de novo auxílio emergencial, no mínimo até após liquidação das compensações individuais e finalização da reparação socioambiental, de maneira a mitigar a contaminação e prevenir agravamento dos danos ao direito humano à saúde e ao meio ambiente equilibrado”.
Acesse a recomendação da OAB no link abaixo:
Texto: Felipe Cunha, Valmir Macêdo e Júlia Rohden
Fotos de Iphone: João Dias
Fotos de câmera profissional: Luiz Santana/ALMG